Skip to main content

Detalhe

Centenário do nascimento de Artur Pastor

Recortes de jornal de entrevista por ocasião da sua primeira exposição fotográfica

Recortes dos jornais: Comércio de Portimão e O Algarve, com artigos alusivos a exposições do fotógrafo Artur Pastor, 1945-1946

registo no catálogo

Em 1 de maio de 1922, nascia, em Alter do Chão, distrito de Portalegre, Artur Pastor, um dos grandes nomes da fotografia portuguesa do século XX, cuja obra imortaliza a memória e a identidade do povo português, sobretudo das décadas de 1940 a 1960.
Artur Arsénio Bento Pastor era filho de Celestina Rosa e de Arsénio do Bento. Curiosamente, o seu apelido não coincide com os dos seus pais. De acordo com o filho Artur Pastor, seu homónimo, nem o próprio sabia de quem o tinha obtido pois, quando era questionado sobre este assunto, respondia que tinha "caído do céu”. Herdou o nome Artur do padrinho de batismo, com quem foi viver aos três anos de idade, Artur de Calça e Pina da Câmara Manoel, Coronel de Infantaria e comandante da Coudelaria Militar de Évora, assim como os nomes de seu pai.

O espólio de Artur Pastor encontra-se no Arquivo Municipal de Lisboa desde 2001. Dada a sua grande dimensão, para que fosse disponibilizado ao público, online no site do Arquivo, careceu de um longo e exigente processo de tratamento documental, que contou com a indispensável colaboração da família, dando origem ao Fundo Artur Pastor. Esta documentação baliza-se entre o início da década de 1940, desde que Artur Pastor foi integrado, em agosto de 1943, no Centro de Instrução de Infantaria, no quartel da Atalaia, em Tavira, até 1999, ano do seu falecimento, em 17 de setembro. O seu último maior registo fotográfico foi a Exposição Internacional de Lisboa, Expo98.

Durante a sua vida de fotógrafo Artur Pastor teve sempre o cuidado de guardar, identificando metodicamente, tudo o que era produzido na sequência do seu trabalho, facto fundamental para a elaboração da sua biografia. Esta característica que lhe era peculiar e nata levou-o a fundar, em 1953, o Arquivo Fotográfico da Direção Geral dos Serviços Agrícolas do Ministério da Economia, quando iniciou funções como «regente agrícola fotógrafo». No Fundo Documental Artur Pastor encontram-se, por isso, além de milhares de fotografias da sua autoria, recortes de notícias de imprensa sobre o seu trabalho, publicações onde participou, correspondência trocada, registos de despesas, rascunhos de textos, notas com planos de trabalho, esboços para montagem de exposições, maquetes de livros, entre outros.

Neste conjunto de documentos constam os recortes da entrevista que lhe foi feita pelo seu amigo e ex-colega no serviço militar, Liberto Conceição, publicada no jornal "O Algarve”, em 1946, que divulgamos no centenário do seu nascimento. Esta entrevista, intitulada "Artur Pastor e a sua próxima exposição” e publicada em três números consecutivos daquele jornal, em 13 e 20 de janeiro e 3 de fevereiro, é exemplo do método de arquivo e conservação utilizado pelo fotógrafo para os seus documentos, pois observa-se que os respetivos recortes estão colados em folhas de cartolina A4, identificados com inscrições datilografadas, assim como gralhas no texto rasuradas por si. Junto ao recorte da primeira parte da entrevista encontra-se também uma notícia publicada, em 19 de dezembro de 1945, no jornal Comércio de Portimão, intitulada "Fotografias de arte”, sobre uma exposição de fotografias de Artur Pastor que se iria realizar brevemente.

A entrevista antecedeu a sua primeira exposição individual, "Motivos do Sul”, que se realizou no Círculo Cultural do Algarve, em Faro, entre 20 e 31 de janeiro daquele ano, tinha Artur Pastor ainda 23 anos. Conforme se lê na respetiva introdução, era, na altura, um nome pouco conhecido, pois o que até então produzira e os meios que frequentava não tinham sido suficientes para projetar o seu trabalho, na medida em que "Meia dúzia de publicações, um círculo restricto de amigos, não pôde naturalmente trazê-lo e impô-lo ao conhecimento do grande público”, contudo, era considerado pelos mais próximos como "uma revelação notável em fotografia, um nome de positivo valor”.

Artur Pastor era um jovem "aferrado a uma modéstia exagerada e dir-se-ia indestrutível”. Embora tivesse começado a fotografar três anos antes daquela exposição, a sua "intuição artística e inegável sensibilidade e finura” permitiram que a qualidade dos trabalhos obtidos fossem, "dados pela primeira vez, à publicidade e ao conhecimento do público” e mostrassem "quanto expressiva é a sua Arte, duma personalidade destinta, sensível, traçada a traços de pintura”.

Rendido aos encantos da paisagem, às gentes e tradições do Algarve e pelas amizades que aí desenvolveu desde o tempo em que cumprira o serviço militar em Tavira, Artur Pastor concebeu a exposição "Motivos do Sul” como "uma homenagem que pretendia oferecer a esta província”.
Nesta entrevista Artur Pastor revela ter já grande entendimento sobre a fotografia, pois afirmava que esta

"não é apenas a tradução de um simples negativo dum maravilhoso pôr-do-sol, duma máscara fisionómica admirável, dum instantâneo colhido na sua mais espontânea feição, é sobretudo, […] a própria arte de ver. […] [Q]uantas vezes o motivo não é convertível, impossível se tornando adaptá-lo ao melhor gosto do fotógrafo. Não contando já com o mesmo indispensável estudo de relevo, luz e composição, o fotógrafo tem ainda o estudo do movimento.”

De acordo com a imprensa da época, as 300 fotografias que Artur Pastor exibiu na exposição "Motivos do Sul” mostraram um trabalho de grande qualidade, rigoroso e atento a pormenores, onde se destacou, pela originalidade da abordagem, o copejo do atum, que se fazia junto à costa de Tavira. Esta atividade, que exigia grande ação, foi acompanhada de perto pelo próprio fotógrafo que embarcava com os pescadores para a faina.

Em "Motivos do Sul” estiveram representadas algumas regiões do sul de Portugal, na qual foram mostrados "os principais aspectos regionais, os costumes característicos, os tipos humanos, a existência animal e a flora peculiar das nossas províncias do Alentejo e Algarve. […] praia de Sesimbra e […] serra da Arrábida”.

Nesta entrevista, o fotógrafo relevava a importância do uso futuro da fotografia como reportagem artística. Assim o seu objetivo seria atingido com "mais e melhor” qualidade e interesse:

"Não bastam meia dúzia de nomes consagrados, é preciso que os novos tentem também, num unido esforço fotografarem com honestidade e consciência. A maioria dos fotógrafos limita-se somente a fotografar bem, criando «clichés» nítidos e bem compostos Raros procuram imprimir aos seus motivos uma feição pessoal, sua, algo de indefinível que sentimos sem ser apenas de si próprios. Personalidade do artista e do motivo, eis o que nem sempre existe. O fotógrafo deve criar uma forma sua, diferente, que o defina e distinga. […] [A] fotografia é, de facto, um dos mais eficazes processos de divulgação. Como elemento de propaganda de um determinado povo, dos seus, usos, tipos, actividades, etc. a fotografia moderna é firme pilar da civilização de hoje. ”

Embora de carácter modesto, Artur Pastor revelava grande exigência na prática da fotografia desafiando-se a uma larga ambição. Prestes a inaugurar "Motivos do Sul”, pensava também na realização de outras exposições, nomeadamente em Évora, Setúbal e Lisboa. Entre 2 e 9 de junho de 1946, a Sociedade Harmonia Eborense, em Évora, exibiu "Motivos do Sul”. Em maio de 1947, no 25.º aniversário da Casa do Alentejo, esteve patente ao público, no Pátio Árabe, uma exposição de fotografias sobre a região alentejana. Em julho de 1947, um conjunto de fotografias sobre a cidade e sobre a região de Setúbal foram expostas no Salão Nobre da Câmara Municipal de Setúbal e, entre 31 de julho e 20 de agosto de 1949, numa das salas da delegação da FNAT1, no Palácio do Barrocal, em Évora, esteve também patente uma exposição com trabalhos seus sobre aspetos do Algarve, Alentejo e Setúbal. Paralelamente, Artur Pastor participou em diversos salões e concursos de fotografia nacionais e internacionais.

As décadas seguintes foram também promissoras para a sua carreira. Entre outros trabalhos por ele produzidos, destacam-se os álbuns "Nazaré” e "Algarve”, exclusivamente da sua autoria, publicados, respetivamente, em 1958 e 1965. Foi também autor do livro "A fotografia e a agricultura” editado, em 1979, pelo Ministério da Agricultura e Pescas, onde trabalhou até 1983, ano da sua aposentação, assim como de diversos textos, sobretudo de carácter etnográfico, publicados em periódicos, nomeadamente no Boletim da Casa do Alentejo. De âmbito técnico, Artur Pastor escreveu um texto para a "Focal Encyclopedia of Photography” sobre a atividade e o material fotográfico em Portugal, publicado em 1956. Ainda a nível internacional, pela originalidade e qualidade do seu trabalho, algumas das suas fotografias foram publicadas nas revistas "Photography”, em 1952, "ART Photography”, em 1954, e no jornal "The Times”, em 1962 e 1963.

Entre 1948 e 1950, a obra em fascículos "As mulheres do meu país”, de Maria Lamas, reuniu 23 fotografias da autoria de Artur Pastor. Em 2013, a revista "National Geographic Portugal” publicou a fotografia intitulada "Algas para Adubo”, relacionada com a apanha desta matéria com enormes redes.

Durante as seis décadas de atividade como fotógrafo Artur Pastor recebeu diversos prémios e menções honrosas. Pelo seu notável desempenho na Direção Geral dos Serviços Agrícolas do Ministério da Economia, foi-lhe atribuído, em 1968, pelo presidente da República, Américo Thomaz, o grau de oficial da Ordem do Mérito Agrícola e Industrial, com permissão para usar as respetivas insígnias.

Hoje, após cem anos do seu nascimento, olhando o percurso como fotógrafo e todos os projetos, realizados post mortem, de divulgação da sua obra, pode dizer-se que Artur Pastor alcançou o que desejara e revelara na sua entrevista ao jornal "O Algarve”, em 1946:

"Desejo que o meu esforço seja alcançado, julgada, se possível, a minha personalidade. Tal sucedendo, ficarei sobradamente compensado: o meu espírito foi atingido e a minha sensibilidade respeitada.”

Estes e outros documentos do Fundo Artur Pastor podem ser consultados na base de dados do arquivo.

Ana Saraiva
Arquivo Municipal de Lisboa | Abril 2022


Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho. Esta fundação foi formada pelo Estado em 13 de junho de 1935 para criar infraestruturas destinadas às atividades culturais, desportivas e recreativas dos trabalhadores e suas famílias, com fim a proporcionar-lhes um maior desenvolvimento físico e moral, com o apoio de grandes empresas, entidades individuais e organismos corporativos da economia nacional.


Fontes e Bibliografia

Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/ART/09000

Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/ART/090003

Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/ART/090004

Portugal. Câmara Municipal de Lisboa (2021) – Artur Pastor. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos