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Detalhe

António Passaporte – A Fotografia através do Postal Ilustrado

Quarenta anos depois da sua morte, lembramos o legado de António Passaporte

Praça do Areeiro, c.1950
Praça do Areeiro, c.1950

registo no catálogo

Um século volvido e quarenta anos depois da sua morte, lembramos o legado de António Pedro Carreta Passaporte (24 de fevereiro de 1901 - 18 de fevereiro de 1983), que iniciou a sua atividade profissional na fotografia em 1923, quando foi trabalhar para Madrid, e o seu trabalho desenvolvido em Portugal, maioritariamente de postais, entre as décadas de 1940 e 1960, destacando as imagens da cidade de Lisboa.

O documento do mês apresenta um postal fotográfico da praça Francisco Sá Carneiro (praça do Areeiro) com a numeração do postal para reprodução, a localização no título e a assinatura do fotógrafo, a partir de um negativo de gelatina em prata, em vidro. A ampla vista do lugar apresenta uma cidade moderna de edifícios harmoniosos e de construção linear, numa conceção conservadora e enquadrada no projeto de Duarte Pacheco (1900-1943) com a intenção de dignificar a construção urbanística da cidade, formando o lado Sul do espaço da praça com dois edifícios encimados por uma imponente cobertura em telha, da autoria do arquiteto Luís Cristino da Silva (1896-1976), que inicia a avenida Almirante Reis, numa perspetiva que se prolonga pelo casario que ladeia a avenida.1

A referência ao postal ilustrado e, em especial ao postal fotográfico, evidencia o valor de um suporte de promoção da imagem, sobejamente difundido nas práticas comunicacionais e tornado objeto de coleções pessoais e institucionais, bem como testemunho de um modo de escrita emocional e documento iconográfico. 

O postal ilustrado é um médium de comunicação da modernidade, por excelência, pelo facto de conciliar a imagem e a mensagem textual num apelo imagético, tornando-se um objeto de colecionismo que na atualidade ainda ocupa um lugar na expressão comunicacional.

«Com efeito, os postais operam segundo aquilo que o filósofo Derrida (1980) designa por “logique à double bande”. Na sua origem, o postal corresponde, por um lado, a um espaço privado e singular de comunicação entre o remetente e o destinatário, por outro, à circulação pública de imagens reproduzidas massivamente, de legendas e logotipos, do domínio artístico, etnográfico, patrimonial, publicitário, propagandístico (ou de quase todos ao mesmo tempo). Mas estes dois espaços não são separáveis ou divisíveis. Mais especificamente, o postal abre-se à possibilidade de uma indústria ou instituição pública, através de imagens de carácter massivo, se intrometer num diálogo intimo ao mesmo tempo que ele oferece aos indivíduos a possibilidade de se servirem destas imagens para trocar mensagens […] De facto, o postal, ícone da cultura de massas, foi um dos primeiros objectos de consumo a reproduzir imagens singulares do domínio da arte […]»2 

Com o decurso do tempo, desde o fim do século XIX até à atualidade, este formato promoveu o turismo, quer fosse pelos lugares representados, quer pelas instituições culturais como os museus, através da edição do postal free, a produção fotográfica e a expressão artística. E nem a comunicação digital e virtual suprimiram este meio de informação interpessoal, dando continuidade à sua expressão no formato post (mensagem digital) e sempre conciliando a imagem e a mensagem.
 
A primazia da relação emocional entre o remetente e o destinatário com frases simples e imediatas e uma imagem que convoca a emoção fez do postal ilustrado, em especial do postal fotográfico, um suporte de memória coletiva com um lugar nas coleções de fotografia pessoais e institucionais. Em Portugal, surgiram muitos fotógrafos que recorreram à produção de postais como atividade comercial com imagens de cidades e monumentos em resposta à promoção do país.
 
Atualmente, este suporte iconográfico é uma das fontes de investigação para várias áreas, estudos, publicações e exposições, que não cessa de surpreender.

António Passaporte ficou conhecido como fotógrafo de postais a preto e branco e através destes promoveu cidades com edições numerosas de imagens. Contudo, foi a edição de postais com imagens a cores que suspendeu a sua produção, em especial, pelo facto de não ter conseguido acompanhar o mercado editorial do postal.

O fotógrafo iniciou a produção de postais em 1940 e estabeleceu-se na rua do Desterro, 35, 4ºEsq, onde começou a edição de postais ilustrados, impressos em papel fotográfico a preto e branco. A Exposição do Mundo Português projetou-o para a edição de postais de tal forma profícua, que convocou a mulher e os filhos na produção de milhares de postais colocados à consignação em papelarias, barbearias e casas turísticas.3

«[…] em 1944 a CML encomenda-lhe uma reportagem sobre as fardas dos seus funcionários e também de diversas vistas da capital.»4

 Em 1945, mudou-se para a avenida António Augusto Aguiar, nº 40 – 1º dto e em 1946 para a rua Luciano Cordeiro, nº 88, local que manteve até ao fim de vida e onde se dedicou à produção de postais, tendo na época máquinas industriais de impressão e secagem e uma equipa de trabalho.5
 
O processo de esmaltagem das imagens era efetuado sobre um vidro belga sem qualquer defeito e colocado numa mesa inclinada. O seu filho Rodolfo referiu que «o vidro era passado com uma esponja molhada com um líquido verdoso, composto por fel de boi e umas gotas de formol, tudo diluído em água. Colocados os postais com a imagem sobre o vidro, sobrepunha-se-lhe uma folha de papel de jornal ou um mata-borrão e com um rolo ou outro objecto contendo uma borracha rija retirava-se o líquido. Este sistema, desconhecido em Portugal, permitia um brilho impecável e ao mesmo tempo economia de eletricidade.»6
 
Passaporte percorreu o país no seu automóvel para fotografar, tendo tido um Austin verde, um Ford Anglia vermelho e branco, um Opel Record e, finalmente, um Datsun 1200. De modo a obter melhores pontos de vista, adaptou o seu carro de forma a poder subir ao tejadilho e montar um tripé normal e conseguir o melhor ângulo possível.7
 
Os negativos originais (em suportes de vidro e película) ficaram na posse do seu filho Rodolfo e foram repartidos pelos seguintes municípios:

•    1988 – Câmara Municipal de Cascais – 601 negativos;
•    1988 - Câmara Municipal de Oeiras – 400 negativos;
•    1989 – Câmara Municipal de Almada – 410 negativos;
•    1996 – Câmara Municipal de Évora – 412 negativos;
•    1996 - Câmara Municipal de Almada – 410 negativos;
•    1996 - Câmara Municipal de Mafra – 602 negativos;
•    1997 – Câmara Municipal de Tomar – 774 negativos;
•    Câmara Municipal de Lisboa – 13 109 negativos.

E pelo Palácio da Ajuda, 360 negativos, em 1987, bem como por particulares, em 1989, um em Guimarães, com 24 negativos, e em 1996, outro nas Caldas da Rainha, com 128 negativos e mais um na Covilhã, com 24 negativos.

A família ainda manteve 227 negativos da Exposição do Mundo Português (1940), 51 negativos do Cortejo Histórico, em Lisboa (1947), e 1082 diapositivos a cor de vários temas.

A coleção António Passaporte (PAS), do Arquivo Municipal de Lisboa/Fotográfico, foi constituída em quatro momentos: o primeiro, resultado de encomendas da Câmara Municipal de Lisboa ao fotógrafo nas décadas de 1940 e 1950. Este conjunto reúne fotografias dos funcionários fardados, viaturas de recolha de resíduos sólidos, serviço de bombeiros e imagens de empedrados (calçada portuguesa e trabalhos de calcetamento da cidade). O segundo ocorreu em 1997, com uma aquisição de 3200 negativos ao seu filho Rodolfo Passaporte, de imagens de Lisboa e de outras regiões do país. O terceiro, através de uma aquisição de 6000 fotografias de diversas localidades e monumentos nacionais, em agosto de 1998 8 e, o quarto, em 1999 pela doação de Helena Passaporte de cerca de 3500 negativos em película a preto e branco e alguns postais. Atualmente, conta com 13.109 documentos fotográficos.

As fotografias de António Passaporte, no formato postal, continuam a suscitar interesse, integradas em exposições e publicações, tendo sido a mais recente, a exposição apresentada pela Câmara Municipal de Cascais, no Arquivo Histórico Casa Sommer, em 2022.9 

Paula Figueiredo
Março 2023
Arquivo Municipal de Lisboa - Fotográfico


1 O Arquivo Municipal de Lisboa tem as fotografias dos projetos da praça (Norte e Sul) no espólio Eduardo Portugal respetivamente, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/EDP/001773 e PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/EDP/001772.
Maria da Luz Correia, O postal ilustrado da frente ao verso: imagens mais do que reprodutíveis in Logos 29, Tecnologias e Sociabilidades, Ano 16, 2º semestre, 2008, pp. 117-128.  p. 120.

3 Carmen Almeida, José P.B. Passaporte e António Passaporte (LOTY) dois fotógrafos de Évora – Évora: Câmara Municipal de Évora. 2000, p.53.  
4 Idem, p. 52.
Idem, p. 53.
Idem, p. 55.
Ibidem.
ANTÓNIO PASSAPORTE, POSTAIS DE LISBOA, Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1998. p. 39.
https://cultura.cascais.pt/noticias/exposicao-antonio-passaporte-um-fotografo-em-cascais-1940-60-enriquecida-com-camaras 


Bibliografia e Webgrafia

ALMEIDA, Carmen, José P.B. Passaporte e António Passaporte (LOTY) dois fotógrafos de Évora – Évora: Câmara Municipal de Évora. 2000.
ANTÓNIO PASSAPORTE, POSTAIS DE LISBOA – Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1998.
ANTÓNIO PASSAPORTE [Em linha]. [Consult. 2023-02-23]. 
CORREIA, Maria da Luz, O postal ilustrado da frente ao verso: imagens mais do que reprodutíveis in Logos 29, Tecnologias e Sociabilidades, Ano 16, 2º semestre, 2008, pp. 117-128 [Em linha]. [Consult. 2023-02-23].
EXPOSIÇÃO “ANTÓNIO PASSAPORTE – UM FOTÓGRAFO EM CASCAIS, 1940-60” ENRIQUECIDA COM CÂMARAS FOTOGRÁFICAS DA ÉPOCA. [Em linha]. [Consult. 2023-02-23].  
FARDAS VELHAS – ESTADO NOVO FOTOGRAFIAS DE ANTÓNIO PASSAPORTE – Braga: 12ª Edição Dos Encontros da Imagem. 1998.
NUM DIA…MUITOS DIAS TOMAR, 1950-1960 António Passaporte, fotógrafo (1901-1983) – Tomar: Câmara Municipal de Tomar. 2011.
PASSOS, José Manuel da Silva, O Bilhete Postal Ilustrado e a História Urbana de Lisboa – Lisboa: Editorial Caminho, 1990.
WILLOUGHBY, Martin, História do Bilhete-Postal, Lisboa: Editorial Caminho, 1993.