Detalhe
Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves
O Arquivo Municipal de Lisboa tem à sua responsabilidade documentação de valor incalculável para o estudo da arquitetura, não apenas da cidade de Lisboa, mas de Portugal. Entre outros exemplos, destaca-se o acervo de Cassiano Branco, Francisco Keil do Amaral, Ruy Jervis d'Athouguia e José Luís Monteiro, que constituem fundos independentes do resto da documentação. Para lá desta situação existem espólios de outros arquitetos, como Manuel Joaquim Norte Júnior, cuja informação se encontra nos processos de obra particulares do município de Lisboa.
Manuel Joaquim Norte Júnior nasceu em Lisboa, a 24 de dezembro de 1878, ingressando, em 1891, na Escola Real de Belas Artes de Lisboa, concluindo o Curso Geral de Desenho em 1896, e o curso de Arquitetura Civil em 1900. Estudou em Paris, na École des Beaux Arts e no renomado ateliê de Jean Loius Pascal, fazendo ainda viagens de estudo por Espanha, França e Bélgica, vindo a falecer, em Sintra, a 11 de dezembro de 1962. Norte Júnior afirmou-se como um dos mais ativos e ecléticos arquitetos da sua geração, cujo valor foi reconhecido pelos cinco prémios Valmor que recebeu entre 1905 e 1927. O seu legado tem tanto de desconhecido do grande público quanto de marcante na construção da imagem arquitetónica de Lisboa, onde a sua ampla obra edificada vai da Arte Nova à Art Déco e Modernista até à vulgarmente apelidada de arquitetura Estado Novo e de inspiração na arquitetura tradicional portuguesa, passando pelo Neoclássico e Neo romântico. Muito para lá da sua vastíssima produção para as Avenidas Novas, dos palacetes, das moradias unifamiliares, casas rústicas e dos prédios de rendimento, o seu legado na capital inclui hotéis, salas de cinema e de teatro, casinos, cafés, escolas, armazéns, stands, cocheiras e igrejas, estendendo-se a outras cidades e vilas de Portugal, nomeadamente Alcabideche, Azeitão, Bombarral, Buçaco, Cascais, Curia, Estarreja, Estoril, Évora, Faro, Horta, Sintra ou Torres Vedras. Responsável pelo projeto da Casa dos Brasões e a remodelação da Casa dos Embrechados, encomendados pela Casa de Bragança, é também autor de largas dezenas de projetos, entre os quais os do Palace Hotel da Cúria, o Hotel Paris, no Estoril, o casino de Sintra, o armazém vinícola Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca, em Poço do Bispo, o cinematógrafo Royal Cine e o teatro Variedades, em Lisboa, e os edifícios sede da Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário e da Associação dos Socorros Mútuos dos Empregados do Comércio e Indústria, em Lisboa, entre outras tipologias arquitetónicas, demonstrativas da sua prolixa e eclética obra.
A Casa Atelier José Malhoa, na avenida 5 de Outubro, 6 a 8, tornejando para a rua Pinheiro Chagas, s/n.º, em Lisboa, num edifício de gaveto, isolado, com espaços ajardinados e muro à volta, nas proximidades da maternidade Dr. Alfredo da Costa, na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, inaugura a sua notável participação na arquitetura das recém criadas avenidas novas de Lisboa, integrando-se urbanisticamente no plano de crescimento da cidade de Lisboa.
Data de 1904 o pedido de José Malhoa à Câmara Municipal de Lisboa de autorização de construção de uma moradia destinada a sua residência e ateliê de trabalho, conforme projeto de Norte Júnior, e cujo construtor foi Frederico Augusto Ribeiro, tal como se observa neste marion desse ano, constante do processo de obra particular número 45778, e neste negativo de gelatina e prata em vidro, do fotógrafo Paulo Guedes, posterior a 1905.
Este edifício eclético, de erudição francesa aportuguesada, que estabelece a súmula do estilo Neo romântico, visível nalguns vãos, com expressão Arte Nova, evidenciada na decoração dos vitrais no interior, do ferro forjado no portão e do luxo no programa ornamental, de profusa utilização de materiais (alvenaria, cantaria, ferro, madeira, vidro, azulejo e telha), afirma-se como a expressão máxima da originalidade e hibridez tipológica deste arquiteto e do bem sucedido compromisso entre os valores da tradição e a da modernidade. Foi classificado como Imóvel de Interesse Público em 1982, constituindo a primeira casa de artista da capital, e Prémio Valmor em 1905, o terceiro deste prestigiante galardão, numa decisão unânime do júri, composto por José Luís Monteiro (pela Câmara Municipal de Lisboa), Adães Bermudes (pela Sociedade dos Arquitetos Portugueses) e José Soares (pela Academia Real das Belas Artes), que impulsionou a sua carreira de arquiteto de sucesso, na altura com apenas 27
A Casa Malhoa foi adquirida em 1932 pelo Dr. Anastácio Gonçalves, que aí viveu, e organizou a sua coleção de arte, até 1965, data em que faleceu. Em 1969, por vontade do colecionador, o edifício foi legado ao Estado Português para aí se criar uma Casa Museu, com o seu nome, que abriu ao público em 1980. Em 1996, os arquitetos Frederico e Pedro George foram responsáveis pelo projeto de anexação de uma moradia contígua, também assinada por Norte Júnior, ao edifício original, que reabriu em dezembro de 1997 com a sua configuração atual.
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Paulo Jorge dos Mártires Batista
Setembro 2015
Arquivo Municipal de Lisboa | Geral e Histórico
Bibliografia
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PAIXÃO, Maria da Conceição Ludovice – Norte júnior: obra arquitetónica. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1989. Dissertação de Mestrado em História da Arte.
TOSTÕES, Ana – Arquitetura portuguesa do século XX – Ecletismo, Revivalismo e a "Casa Portuguesa”. In PEREIRA, Paulo (dir) – História da Arte Portuguesa. Lisboa: [s.n], 1995, vol. III.
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