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Detalhe

Plano Especial de Realojamento (PER)

O início de uma “revolução” urbana

Vista aérea do bairro do relógio, 1991
Vista aérea do bairro do relógio, 1991

registo no catálogo

A publicação do Decreto-Lei 163/93 de 7 de maio que dá moldura legal ao chamado Plano Especial de Realojamento (PER) é o ponto de partida para a execução de um dos mais ambiciosos planos de realojamento habitacional da cidade de Lisboa de iniciativa Municipal. Alguns anos antes, em 1987, o lançamento do Plano de Intervenção a Médio Prazo (PIMP) fora já um primeiro passo na prossecução desse grande objetivo de erradicação dos núcleos habitacionais degradados, quer concentrados em bairros mais populosos (Musgueira norte e sul, Curraleira, Quinta da Montanha, Relógio, entre muitos outros), quer num conjunto significativo de pequenos núcleos de alojamentos precários dispersos um pouco por todo o território urbano.

Dentro do conjunto fotográfico a escolha desta imagem como documento do mês não é casual. Ela retrata uma vista aérea de um dos maiores aglomerados habitacionais precários da cidade de Lisboa: o Bairro do Relógio. Em 1996 este foi o primeiro bairro a ser totalmente demolido no âmbito da criação do Plano Especial de Realojamento (PER).

Em momentos diversos do século XX a cidade conheceu fluxos migratórios de grandes dimensões aos quais procurou responder aplicando soluções ora de iniciativa municipal ora em conjugação com os poderes públicos, soluções que ficaram quase sempre aquém das necessidades reais.
Nos finais da década de 1950, a proliferação dos chamados bairros de lata levara já o Município a desenvolver uma política de construção de bairros sociais em diferentes locais da cidade principalmente no eixo Norte.
Os planos diretores de 1948 (plano De Gröer) e de 1959 indiciavam já uma opção de expansão a oriente prevendo a criação de uma reserva de terrenos para expropriação e domínio público na zona oriental da cidade área caracterizada ainda por uma profunda ruralidade.

A criação do Gabinete Técnico da Habitação (GTH), em 1959, foi um impulso decisivo para enfrentar o problema da habitação em Lisboa e resultará na criação de dois dos mais importantes projetos urbanísticos de larga escala das décadas de 60 e 70 do século XX: os Olivais e Chelas.
Porém, quase trinta anos depois da criação do GTH, o problema da habitação na cidade voltava a equacionar-se de forma premente.
A proliferação de um conjunto significativo de bairros clandestinos e a urgência em pôr cobro a esta degradante situação pressionou os decisores políticos a encontrar soluções mais robustas para este grave problema.

Deste modo, em junho de 1987, teve lugar a assinatura de um protocolo para a criação do plano de intervenção a médio prazo para a habitação social em Lisboa (PIMP), entre o Município e o Estado, através do Instituto Nacional de Habitação (INH) e do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE).
O PIMP tinha por objetivo definir, quantificar, programar e encontrar formas de financiamento para a construção de 9698 fogos de habitação social em 11 bairros destinados ao realojamento de famílias que ocupavam barracas ou fogos de construção precária em mau estado. Em 1990, porém, era evidente a insuficiência do PIMP para travar definitivamente a chaga social que as barracas representavam. A necessidade de estender a solução às áreas metropolitana de Lisboa e Porto tornou claro que apenas um investimento público significativo poderia permitir o acesso dos mais desfavorecidos à habitação.
Assim, em meados de 1993, o Ministério das Obras Públicas apresentou o Programa Especial de Realojamento (PER) e, em abril de 1994, é assinado o protocolo que dá consistência real a este ambicioso propósito: erradicar de vez as barracas na cidade de Lisboa.

O PER integrava-se num programa mais vasto de luta contra a pobreza e o protocolo assinado previa na cidade de Lisboa o realojamento de 37229 pessoas residentes nos 10030 alojamentos precários identificados em 97 núcleos habitacionais concentrados e dispersos.
Em Lisboa coube inicialmente ao GTH, pela experiência já adquirida e já demonstrada, a responsabilidade de implementação do PIMP e, posteriormente, ao seu sucessor – o Departamento de Construção de Habitação DCH – a implementação do PER.

Como já tinha acontecido noutras situações, e porque o próprio programa o exigia, foi necessário desenvolver um ambicioso programa de identificação dos núcleos precários a erradicar no sentido de identificar quantitativa e nominalmente a população a realojar.
Este trabalho implicou a realização de vários levantamentos no terreno, conduzidos por equipas interdisciplinares, bem como um intenso levantamento fotográfico das áreas abrangidas.  

Particularmente interessante, e que aqui queremos destacar, foi o levantamento fotográfico aéreo, desenvolvido logo na fase inicial do PIMP a partir de 1989, mas com maior intensidade a partir de 1993. Esta ação, coordenada pelo fotógrafo Gustavo Leitão, cobriu de forma sistemática todo o perímetro urbano onde se situavam os grandes aglomerados habitacionais e permite hoje acompanhar retroativamente todo o percurso do PER. As imagens, conservadas ao longo dos anos pelos serviços de habitação da câmara, são hoje uma indispensável fonte de estudo sobre a evolução destes programas e apresentam-se consequentemente como uma excelente fonte iconográfica para a história da habitação na cidade de Lisboa.
Estas não se limitaram ao levantamento dos bairros existentes, mas acompanharam ao longo dos anos a construção dos novos bairros, a demolição dos antigos aglomerados precários e a evolução urbana de uma área muito significativa da cidade de Lisboa.

Preservar e divulgar para memória futura

As comemorações dos 30 anos do PER e a realização da exposição sobre políticas de habitação em Lisboa, que recentemente teve lugar, não podia ser melhor oportunidade para pensar o futuro de todo este enorme fundo fotográfico.

Foi com este pressuposto que a Direção Municipal de Habitação e Desenvolvimento Social da Câmara Municipal de Lisboa e o Arquivo Municipal de Lisboa conjugaram esforços no sentido de garantir a preservação definitiva deste valioso conjunto documental composto por cerca de 80.000 imagens entre provas, negativos, diapositivos.
Assim, em Dezembro de 2022, foi decidida a sua incorporação no Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico, e em Janeiro deste ano iniciou-se o respetivo tratamento técnico por forma a disponibilizar e a dar a conhecer a todos este manancial informativo.
 

Mário Gouveia
Junho 2023
Arquivo Municipal de Lisboa - Fotográfico


Bibliografia 

Câmara Municipal de Lisboa, Direção Municipal de Habitação de Desenvolvimento Social, Departamento de Construção de Habitação, 54
Programas de realojamento PER e PIMP: relatórios de finalização. Lisboa, Câmara Municipal. Direção Municipal de Habitação e Desenvolvimento Social. 2013
Câmara Municipal de Lisboa
Relatório de intervenção em edificado disperso. Lisboa Câmara Municipal. Direção Municipal de Habitação e Desenvolvimento Local. 2018
CACHADO, Rita Ávila - O programa Especial de Realojamento: ambiente histórico, político e social. Instituto de Ciências Sociais da Cidade de Lisboa, 2013