Detalhe
Cartaz de Maria Helena Vieira da Silva
O Arquivo Municipal de Lisboa tem à sua responsabilidade uma coleção de cerca de 2170 mupis e 6.000 cartazes, que vão desde 1940 à atualidade. Entre esta documentação encontram-se três cartazes, dois de 1974 e um de 1980, da pintora Maria Helena Vieira da Silva, figura incontornável no relacionamento do meio artístico português com a arte internacional. Estes cartazes integram o espólio Neves Águas, constituído por 3.048 espécimes, um dos mais notáveis acervos reunidos para o período entre 1974 e 1989 imprescindíveis para a compreensão da história da nova democracia republicana e de toda a ambiência social, política e cultural que envolveu os anos de 1974 a 1976.
Maria Helena Vieira da Silva nasceu em Lisboa, a 13 de junho de 1908, na rua das Chagas, e cresceu numa família próspera, de tradição liberal, que muito cedo começou a estimular o seu interesse pela pintura, música e literatura. Aos 5 anos começou a pintar em guache e a desenhar, e com onze ingressou na Academia de Belas Artes, em Lisboa, onde estudou desenho e pintura. Motivada pela escultura, estudou anatomia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Em 1928 foi residir para Paris, para estudar na Academie de la Grande Chaumiére, enveredando primeiro pela escultura, na escola de Siena, com o escultor Despiau, mas acaba por se interessar definitivamente pela pintura, que aprende com Dufresne, Friesz e Waroquier. Vai ser aqui que conhecerá o pintor húngaro Arpad Szenes, com quem casou em 1930, perdendo a nacionalidade portuguesa. Em 1952, Vieira da Silva pediu a nacionalidade portuguesa, mas é-lhe recusada, levando-a a naturalizar-se francesa. A sua reaproximação a Portugal apenas se verificou em 1974, depois de um pedido da poetisa e amiga Sophia de Mello Breyner para executar dois cartazes sobre o 25 de Abril. Vieira da Silva produziu um cartaz intitulado 25 Abril 1974, com 73 x 44 cm, e o outro, A poesia está na rua, com 70 x 50 cm, editados pela Fundação Calouste Gulbenkian para assinalar o 25 de Abril de 1974, que refletem o interesse da artista pela revolução dos cravos, e que se tornaram icónicos.
Apresentamos uma transcrição da obra O Fulgor da Luz: Conversas com Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes, de Anne Philipe, onde Vieira da Silva fala do contexto em que os cartazes foram criados: "Aqui há dois anos aconteceu-me uma história curiosa. Uma das minhas amigas, Sophia Andresen, é deputada socialista em Portugal e escritora, também. Pediu-me ela que fizesse um cartaz para festejar o 25 de Abril, "Faz o que te apetecer — disse-me ela — a multidão, a rua, o que quiseres, mas é urgente." Reflecti, e pus mãos à obra, deixando-me guiar pelo que naturalmente me ia vindo. Quando acabei, olhei para o que tinha feito e fiquei muito inquieta: parecia um vitral, via-se uma igreja e umas ruínas. "Neste momento lá em Portugal — pensei eu — a política tem prioridade, vão dizer que fiz uma pintura religiosa. Não pode ser, tenho que projectar outra coisa" e comecei a traçar uma rua antiga de Lisboa com uma multidão e cravos vermelhos. Quando a minha amiga voltou, escolheu o primeiro desenho (acabou por levar ambos). Perguntei-lhe: "Não irão dizer que é uma beatice? — Não — disse ela —, foi ali mesmo que tudo se passou." Lembrei-me então de que ao ler as notícias de Portugal sempre imaginava as manifestações descritas, diante de uma igreja que eu conhecia muito bem e da qual gostava, mas que esquecera por completo enquanto trabalhava. E no entanto tenho boa memória. O segundo cartaz era uma rua muito próxima dessa igreja, mas não fora ela o centro de tudo o que se passara e sim a tal ruína gótica, o Convento do Carmo. Como tudo isto é misterioso, não é verdade?”
Maria Helena Vieira da Silva faleceu a 6 de março de 1992. Para honrar a memória do casal de pintores, foi criada, em Lisboa, a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva e a Escola Vieira da Silva, em Carnaxide.
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Paulo Jorge dos Mártires Batista
Abril 2016
Arquivo Municipal de Lisboa | Geral e Histórico
Bibliografia
FRANÇA, José-Augusto – A Arte em Portugal no século XX. 4.ª edição. Lisboa: Livros Horizonte, 2009
PERNES, Fernando (coord.) – Panorama. Arte Portuguesa no século XX. Porto: Fundação Serralves / Campos, 1999
PHILIPE, Anne – HO Fulgor da Luz: Conversas com Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes. Lisboa: Edições Rolim da Arte, 1995
PINHARANDA, João Lima – O declínio das vanguardas: dos anos 50 ao fim do milénio. In PEREIRA, Paulo (dir) – História da Arte Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995, vol. III
ROSENTHAL, Gisela. Vieira da Silva. 1908-1992: à procura do espaço desconhecido. Köln: Taschen, 1998
ROY, Claude. Vieira da Silva. Lisboa: Publicações Europa-América, 1998