Detalhe
Hotel Ritz
Desde 1912 que se constatou a urgência de construir em Lisboa um grande hotel de luxo. Esta evidência assume particular dimensão no momento em que se pensa organizar em Lisboa a Exposição do Mundo Português (1940), com o que tal implicaria em termos de alojamento para personalidades provenientes de inúmeros países.1
Pese algumas tentativas nesse sentido, vai ser apenas depois do encerramento do Hotel Aviz, em 1951, o único considerado de luxo, existente na capital, mas com apenas 28 quartos, que esta ideia se vai materializar, num processo em que a intervenção de António de Oliveira Salazar foi decisiva. De facto, foi o Presidente do Conselho que em 1953 contactou o banqueiro Ricardo Espírito Santo e o empresário José Manuel Queiroz Pereira com o objetivo de dotar Lisboa de uma unidade hoteleira, que estivesse entre as melhores do mundo. Para tal, foi constituída, a 28 de agosto de 1953, a SODIM (Sociedade de Investimentos Imobiliários), dirigida por José Manuel Queiroz Pereira, que no ano anterior contactara o arquiteto Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957) com vista à escolha do local onde seria construído esse hotel.
A opção recaiu num lote de terreno perto do centro histórico, num quarteirão sobranceiro ao Parque Eduardo VII, delimitado pelas ruas Castilho, Marquês de Subserra, Rodrigo da Fonseca e Joaquim António de Aguiar, com vista privilegiada sobre a cidade, adquirido em 1953, em hasta pública, à Câmara Municipal de Lisboa.2
Contudo, já em 1952, Porfírio Pardal Monteiro começou a trabalhar neste projeto, desenvolvendo um estudo prévio e um segundo estudo, a que sucede, em 1954, um terceiro e último anteprojeto. Segundo João Pardal Monteiro, que nos dá conta do testemunho oral do arquiteto António Pardal Monteiro (1928-2012), sobrinho de Porfírio Pardal Monteiro, de que falaremos adiante, o arquiteto conselheiro da cadeia de hotéis Ritz terá "ficado desagradado com a solução” apresentada, sugerindo a elaboração de uma proposta mais "moderna.”3
O mesmo autor salienta que, entre o final de 1954 e o começo de 1955, António Pardal Monteiro, encontra-se envolvido no projetos dos edifícios da Biblioteca Nacional de Portugal, da Cidade Universitária de Lisboa (Reitoria e faculdades de Direito e de Letras) e do Hotel Tivoli, dirigidos pelo seu tio, pelo que será com o arquiteto Jorge Ferreira Chaves (1920-1981) que Porfírio Pardal Monteiro "irá desenvolver, em tempo recorde, uma nova solução para todo o hotel, esta já muito semelhante à que foi construída”4, de evidente escala monumental.
Ainda segundo João Pardal Monteiro, "esta última versão é constituída por um grande corpo (de quartos) paralelepípedos, assente em pilotis na zona sul e assente sobre o corpo das salas e salões, na zona norte. Os pilotis, no entanto, não vão diretamente ao solo pois "assentam” formalmente num podium ao nível da avenida Rodrigo da Fonseca” 5, como se observa na perspetiva final, "do lado do Parque Eduardo VII”, assinada por Porfírio Pardal Monteiro. Este desenho integra a "Memória Descritiva do Anteprojeto para o Grande Hotel de Luxo”, que deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa a 18 de dezembro de 1954, com vista à sua apreciação, como se observa no processo 57036/DAG/PG/1954 (Volume I, Tomo I, pág. 73), que integra o processo de obra particular n.º 27777, constituído por 36 volumes, que metrificam a dimensão e complexidade deste projeto.
De igual modo, nas palavras de João Pardal Monteiro, "No que se refere à vertente funcional o Hotel Ritz é também exemplar. Os circuitos funcionais foram estudados ao pormenor para que as circulações de serviço fossem, completamente independentes das dos hóspedes, funcionais e curtas para as equipas de hotelaria. Assim circula-se nas zonas públicas de uma forma totalmente independente sem cruzamentos ou constrangimentos com o circuito das zonas de serviços e das instalações técnicas.”6
Sobre Jorge Ferreira Chaves, não é de somenos realçar o quão decisivo foi o seu contributo no processo de conceção e construção do Hotel Ritz. Referimo-nos ao longo período em que Porfírio Pardal Monteiro esteve enfermo e, depois da sua morte, a 16 de dezembro de 1957, em que "assegurou a continuidade do projeto dirigindo a obra e chefiando o projeto de execução num atelier instalado no terreno onde decorria a obra”, conhecido por "o barracão”, até à data da sua inauguração, a 24 de novembro de 1959.7
A ligação de Jorge Ferreira Chaves a Porfírio Pardal Monteiro, como colaborador deste, desenvolve-se entre 1952 e 1959, primeiro, no respetivo atelier, e depois, como aludido, no atelier de obra do Hotel Ritz. Esta colaboração ter-se-á materializado, entre outros, nos suprarreferidos edifícios da Cidade Universitária de Lisboa e na Biblioteca Nacional de Portugal8. Após a grave doença que em setembro de 1956 acomete Porfírio Pardal Monteiro, e depois, com a sua morte, no final do ano seguinte, vai ser António Pardal Monteiro, diplomado em 1957, quem assumirá a responsabilidade dessas obras, em fase de projeto, nos quais já trabalhava com o seu tio, assegurando a sua continuidade e conclusão, o mesmo se verificando com a encomenda, recebida em 1958, para a Reitoria da Universidade de Lisboa.9
Todavia, como mencionado, é no Hotel Ritz que a colaboração de Jorge Ferreira Chaves e Porfírio Pardal Monteiro é mais evidente. De tal modo que em 1953 Jorge Ferreira Chaves acompanhou-o numa viagem à Côte d’Azur, o mesmo ocorrendo em 1954, a Madrid, com a finalidade de conhecer hotéis de luxo, tal como se pretendia que o Hotel Ritz o viesse a ser.10
Como responsável pelo projeto de execução do Hotel Ritz, Jorge Ferreira Chaves formou uma equipa constituída por arquitetos estagiários e recém-diplomados em arquitetura, como Frederico Santana (1921-1960), Eduardo Goullart de Medeiros (1932-2010), Mário Xavier Antunes (1926-1988) e Carlos Duarte (1926-2019).11
Após o falecimento de Porfírio Pardal Monteiro, no final de 1957, foram nomeados "o arquitecto Leonardo Rey Colaço de Castro Freire (1917-1970), do SNI [Secretariado Nacional de Informação], e ainda António Pardal Monteiro (que obteve o diploma de arquitecto nesse ano) como representante do Atelier. Castro Freire, que não trabalhou no projecto do edifício, mas que com a sua equipa, da qual fazia parte o arquitecto Carlos Lameiro (1928-2000), fiscalizou os acabamentos e a qualidade dos materiais aplicados, veio a escolher e coordenar os vários decoradores que participaram”.12
Leonardo Castro Freire será, ainda, em 1964, o autor do projeto das Galerias Ritz , no qual "revela uma sábia adequação aos pressupostos do projecto inicial, garantindo a unidade do conjunto como se de um único projecto se tratasse”13.
Uma nota final para a decoração do Hotel Ritz, a cujo desenho ou controle Porfírio Pardal Monteiro é alheio, pelo contrário, "certamente com a indicação ou pelo menos com a anuência da cadeia Ritz, opta-se por um certo tipo de intervenção completamente desligada e quase em oposição com a Arquitectura”14, ao contrário do verificado na dimensão paisagística, da autoria de Álvaro Dentinho (1924-2014) e António Viana Barreto (1924-2012).
De facto, considerando os mais de trinta artistas plásticos e decoradores portugueses convidados para decorar este hotel em que se destaca Almada Negreiros, a quem mais Porfírio Pardal Monteiro recorreu para esse fim, para além do mobiliário, proveniente da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva, verifica-se que "existem grandes diferenças conceptuais e formais na abordagem dos espaços pelos diferentes intervenientes, o que se traduz por conjunto pouco homogéneo e afastado da obra total […] que o mesmo arquiteto apresenta noutros projetos. […] No caso da decoração foi pena que não tivesse havido no mínimo o cuidado e coordenar as diferentes intervenções entre si para não falar na mais dramática fata de entendimento do próprio edifício”15.
Podemos concluir, citando José Manuel Fernandes, que o Hotel Ritz, que desde 1998 passou a ser designado Ritz Four Seasons Hotel Lisboa, e que em 2012 foi classificado como Monumento de Interesse Público, é uma "obra notável pela sabedoria estética e pela qualidade da execução material”16, ideia que Hélder Carita detalha, enfatizando a capacidade de renovação do seu autor, cuja derradeiro projeto plasma "uma solução totalmente nova no contexto da sua longa obra e do seu tradicional discurso estético. As soluções de robustas volumetrias e grandes jogos de massa são abandonadas a favor duma maior abstração e transparência, de clara afirmação modernista. No final da sua vida, Pardal Monteiro demonstra uma vontade intrépida de renovação estética e de busca de novas propostas perante a magnitude da obra”17.
A consulta desta documentação é apenas presencial e mediante agendamento prévio cujo pedido deve ser formulado através da Loja Lisboa (Obra 27777; Volume 1, Processo 57036/DAG/PG/1954 - Tomo 1; Pág. 73)
Paulo Jorge dos Mártires Batista
Arquivo Municipal de Lisboa | Janeiro 2022
1 MONTEIRO, João Pardal - Para o projeto global: nove décadas e obra: arte, design e técnica na arquitetura do atelier Pardal Monteiro.Lisboa: [s.n.], 2012. vol. I, p. 431. Tese de doutoramento em Design, Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa.
2 Idem, p. 433.
3 Idem, p. 436.
4 Ibidem.
5 Ibidem.
6 Idem, p. 437.
7 CHAVES, Manuel Pedro Fialho Ferreira - Vida e obra do arquitecto Jorge Ferreira Chaves (1920-1981): cronologia.Lisboa: [s.n.], 2012. vol. I, p. 110. Dissertação de mestrado em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa.
8 Idem, p. 108-109.
9 PARDAL MONTEIRO - ARQUITECTOS: HISTÓRIA. [Consult. 19.12.2021]. Disponível na Internet: https://pardalmonteiro.com/history/.
10 CHAVES, Manuel Pedro Fialho Ferreira, Op. Cit., p. 108-109 e 111-112.
11 Idem, p. 114.
12 Idem, p. 115.
13 CARITA, Hélder - Ritz, quatro décadas de Lisboa.Lisboa: Hotel Ritz, 2000. p. 44-45.
14 MONTEIRO, João Pardal - Op. Cit., p. 440.
15 Ibidem.
16 FERNANDES, José Manuel - Lisboa em obra(s).Lisboa: Livros horizonte, 1997. p. 206.
17 CARITA, Hélder, Op. Cit., p. 32.
Bibliografia
CARITA, Hélder - Ritz, quatro décadas de Lisboa. Lisboa: Hotel Ritz, 2000. p. 44-45.
CHAVES, Manuel Pedro Fialho Ferreira - Vida e obra do arquitecto Jorge Ferreira Chaves (1920-1981): cronologia. Lisboa: [s.n.], 2012. Dissertação de mestrado em Arquitetura, Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa. Vol. I. [Consult. 19.12.2021]. Consultar no site da UTL
FERNANDES, José Manuel - Lisboa em obra(s). Lisboa: Livros horizonte, 1997.
MONTEIRO, João Pardal - Para o projeto global: nove décadas e obra: arte, design e técnica na arquitetura do atelier Pardal Monteiro. Lisboa: [s.n.], 2012. Tese de doutoramento em Design, Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa. Vol. I. [Consult. 19.12.2021]. Disponível na Internet: http://pardalmonteiro.com/Para_o_projeto_global-Volume_I.pdf
PACHECO, Ana Assis - Porfírio Pardal Monteiro, 1897-1957: a obra do arquitecto. a obra do arquitecto. Lisboa: [s.n.], 1998. Dissertação de mestrado em História da Arte Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
PARDAL MONTEIRO – ARQUITECTOS: HISTÓRIA. [Consult. 19.12.2021]. Disponível na Internet: https://pardalmonteiro.com/history/.
SILVA, Teresa Madeira da - As artes plásticas na configuração da arquitectura: três edifícios modernistas lisboetas. Rio de Janeiro: [s.n.], 2009. Trabalho apresentado no 8.º Seminário Docomomo Brasil Cidade Moderna e Contemporânea: Síntese e Paradoxo das Artes em parceria com o ISCTE-IUL/Instituto Universitário de Lisboa. [Consult. 19.12.2021]. Disponível na Internet: https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/1633
SISTEMA DE INFORMAÇÃO PARA O PATRIMÓNIO ARQUITETÓNICO – FORTE DE SACAVÉM: Hotel Ritz. [Consult. 19.12.2021]. Disponível na Internet: http://www.monumentos.gov.pt/site/APP_PagesUser/