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Detalhe

O brasão de Lisboa

Laureemos a “mui nobre gente de Lisboa”

Armas da Cidade de Lisboa, desenho de João Paulo de Abreu e Lima, 1961

registo no catálogo

A Heráldica define-se como a ciência que tem por centro do seu estudo a intervenção humana, pessoal ou familiar, coletiva ou territorial, representada, identificada e perpetuada no tempo e no espaço através de uma linguagem e vocabulário gráfico-simbólicos de regras definidas, sendo o brasão ou escudo o seu suporte de escrita.

Ao considerar-se o brasão como símbolo distintivo de nobreza, já no contexto da Heráldica Cívica, o brasão autárquico é como se fosse o cartão de cidadão de uma região com limites (concelhos ou freguesias) e pessoas que a habitam. Os elementos (no vocabulário heráldico, peças e móveis) e o cromatismo (no vocabulário heráldico, esmaltes) que o compõem são as caraterísticas que, conotativamente, particularizam uma região ou localidade de outras e que podem ser de natureza diversa – histórica, sociológica, económica, institucional e cultural, geográfica – mantendo-a viva, com os habitantes a se identificarem através dele, administrativa ou afetivamente, se o virem «cá, ali ou além».

O brasão de Lisboa é um misto dos conceitos de tempo e de espaço: o momento associado ao período histórico da Reconquista e formação de Portugal e à lenda do resgate das ossadas de São Vicente (mártir do período imperial romano) trazidas do Promontorium Sacro, na ponta sudoeste do Algarve, no cumprimento da vontade de D. Afonso Henriques, acompanhado por um ou dois corvos; a geografia, através da presença de água/campanha de burelas, a simbolizar o rio Tejo, um elemento que foi e é importantíssimo para o desenvolvimento da cidade e que, de certa forma, moldou e habituou as suas populações a uma vivência cosmopolita, hoje com a designação de multicultural; a embarcação é o símbolo da vivência enriquecida com os Descobrimentos e Expansão, na sua multiplicidade abrangente - política e institucional, económica e social, cultural e científica - e, hoje, sinal de ser uma cidade acolhedora a novidades e diferenças.

Ao passear-se por Lisboa, é fácil encontrar testemunhos simbólicos da cidade, em vários materiais e diferentes períodos cronológicos. Já ao visitar-se o Arquivo Municipal de Lisboa (AML), é fácil encontrar e consultar documentação escrita e iconográfica alusiva à heráldica de Lisboa, em que o que varia nas representações, além do traço de quem as fez, é a embarcação: a nau manuelina nuns casos; noutros, a acompanhar a evolução motriz náutica; e ainda noutros, em tempos da 1.ª República, a valorizar uma birreme, recuando à Olisipo romana, com o abandono do memorialismo vicentino; só em 1927, já em contexto ideológico nacionalista e corporativista, é que se assistiu à recuperação da nau e dos símbolos vicentinos.

Pela Constituição de 1933, os concelhos e freguesias e seus moradores faziam parte dos corpos que estruturavam a nação (art.º 6º). Porque alguns deles se apresentavam pelos testemunhos memorialistas de origem monárquica que tinham e outros a solicitavam pela primeira vez, por um lado, e, por outro, porque as autoridades eram conscientes da carga identitária e comunicacional que revestia a emblemática autárquica, foi implementada uma reforma da heráldica municipal.

É de acordo com os novos cânones que, a 28 de fevereiro de 1940, saiu em Diário do Govêrno a publicação oficial do brasão, selo e bandeira de Lisboa, que teve apresentação pública no Pavilhão de Lisboa, na Exposição do Mundo Português: em campo de brasão de ouro/amarelo, a estilização da barca em prata/branco e negro, indo buscar o modelo à  sigilografia ou a pedras de arma trecentistas, e a introdução de faixas ondadas, três de branco e quatro de verde, como símbolo do rio Tejo e proximidade ao mar; o culto a São Vicente conservou-se, agora representado por dois corvos de negro, afrontados, um à popa e o outro à proa, e por uma vela ferrada de cinco bolsas. O ouro, o esmalte mais importante na Heráldica, a significar nobreza e lealdade; a prata a simbolizar a humildade e riqueza e o negro a terra e honestidade; o verde conotado com a esperança. Externamente, num envolvimento parcial, o colar da Ordem de Torre e Espada e, num listel, o título de Mui nobre e sempre leal cidade de Lisboa, próximo ao dado por D. João I, sob o brasão.

Numa leitura abrangente, como o possuir um brasão é sinónimo de aristocracia, o escudo de Lisboa foi, é e será o reconhecimento e a divulgação da nobreza das “suas” gentes, que, ao longo dos tempos, a vão fazendo e amando!

O desenho que acompanha este Documento do Mês é o testemunho iconográfico representativo deste novo brasão. Desenho da autoria de um heraldista que terá acompanhado a conceção intelectual e artística do brasão de Lisboa, João Paulo de Abreu e Lima, nele estão patentes os esmaltes que o iluminam, obedecendo ao código sinalético criado por Silvestre Petra Sancta, padre jesuíta italiano, em 1638: ouro – pequenos ponteados; prata – sem traços; verde – linhas diagonais da dextra para a sinistra; negro – linhas cruzadas ou pleno de negro.

A par desta documentação ligada à Heráldica, o AML guarda outra relacionada com a heráldica autárquica de Portugal europeu, insular e ultramarino, datada entre 1855 e 1974. Iniciativa lançada pelo vereador Aires de Sá Nogueira, no intuito de organizar um armorial de todos os brasões de concelhos e freguesias ou paróquias de Portugal de Aquém e Além-mar, por várias circunstâncias políticas, essa compilação informativa e documental prolongou-se no tempo, atravessou outros contextos ideológicos e políticos e chegou a 1974. Caraterizando-se por ser uma documentação escrita e iconográfica, ela é rica em matéria informativa sobre a história do país, a ultrapassar a mensagem patente nos brasões, indo a outro tipo de informação relativamente à História Local e Regional e ao património memorial, tangível e intangível. É de destacar que muita desta documentação encontra ligações com fotografias de desenhos heráldicos que também estão à guarda deste AML (Arquivo Fotográfico).

Para encontrar esta e outra informação sobre emblemática, consulte a Base de Dados do Arquivo Municipal.

Nuno CJ Campos
Fevereiro 2025
Arquivo Municipal de Lisboa 


Bibliografia

Arquivo Municipal de Lisboa, Administração, Livro 1º do tombo das propriedades foreiras ao Senado (1512-1771) - PT/AMLSB/CMLSBAH/ADM/070/04/07
Arquivo Municipal de Lisboa, [Armas da Cidade de Lisboa, desenho de João Paulo de Abreu e Lima] (1961) - PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SER/004018.
Arquivo Municipal de Lisboa, Casa dos Vinte e Quatro, Livro dos regimentos dos ofícios mecânicos da cidade de Lisboa reformados por ordem do Senado por Duarte Nunes de Leão (1572-1808) - PT/AMLSB/CMLSBAH/CVQ/02/017.
Arquivo Municipal de Lisboa, Chancelaria da Cidade, Propostas, requerimentos e alocuções dos vereadores (1865-1896) - PT/AMLSB/CMLSBAH/CHC/017/03.
Arquivo Municipal de Lisboa, Chancelaria Régia, Livro dos regimentos dos vereadores e oficiais da câmara (Livro Carmesim) - PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/0039/0004.
Arquivo Municipal de Lisboa, Chancelaria da Cidade, Armorial autárquico (1855-1974) - PT/AMLSB/CMLSBAH/CHC/049.
Arquivo Municipal de Lisboa, Chancelaria da Cidade, Cópia do Livro das posturas da cidade de Lisboa (1515-1733) - PT/AMLSB/CMLSBAH/CHC/050/014.
Constituição de 1933 .
Constituïção heráldica das armas, sêlo e bandeira da Câmara Municipal de Lisboa (PORTARIA N.º 9468 | DR).
LOPES, Fernão (2017). Crónica de Dom João I, Primeira parte. IN-CM.
MATOS, Francisco (2001). A Bandeira Municipal de Lisboa: introdução à vexilologia autárquica olisiponense. Cadernos do Arquivo Municipal, nº 5. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa/Arquivo Municipal de Lisboa.