Detalhe
Os “Blocos Amarelos” da avenida do Brasil
«O conjunto da Avenida do Brasil assinala também, de algum modo, o culminar de uma obra, de uma vida e de uma atitude profissional pautada pela invenção, pela seriedade e pela capacidade de concretização.»
José Manuel Fernandes (2011)
O documento que aqui se reproduz constitui a representação em planta de um conjunto de edifícios, projetados pelo arquiteto Jorge Segurado no início de 1950, para os terrenos propriedade do Montepio Geral na avenida do Brasil, localizados em frente do edifício do LNEC1. Está integrado num estudo, à guarda do Arquivo Municipal de Lisboa, sobre o arranjo das faixas marginais desta avenida, que inclui, para além da memória descritiva, o anteprojeto e projeto de ajardinamento dos logradouros e dos arruamentos e, ainda, correspondência referente ao mesmo.
A vasta área destinada à construção permitiu a implantação desse conjunto, de grandes dimensões, que o Plano de Urbanização da Zona Sul da Avenida Alferes Malheiro (atual avenida do Brasil)2 destinava a um segmento populacional de elevados rendimentos.
Foi autor do projeto o arquiteto Jorge de Almeida Segurado e o seu filho, também arquiteto, João Carlos Segurado. Jorge Segurado (1898-1990) foi um dos pioneiros do modernismo na arquitetura portuguesa e fez parte, com Carlos Ramos (1897-1969), Cassiano Branco (1897-1970), Cristino da Silva (1896-1976) e Pardal Monteiro, do chamado “Grupo dos Cinco” na defesa dos novos princípios da arquitetura moderna.
Investigador de temas ligados à História, à Arte e à Arquitetura, as suas obras mais representativas são, para além dos Blocos Amarelos da avenida do Brasil, n.ºs 112-132, o liceu D. Filipa de Lencastre (1937), a Casa da Moeda (1933-1941), ambos em Lisboa, a igreja de São Gabriel (Vendas Novas, 1951) e os estúdios da Tóbis Portuguesa (Lumiar, 1944).
O recurso escolhido para Documento do Mês, uma planta de implantação, consiste num “desenho síntese” do conjunto a edificar na avenida do Brasil. Tendo por objetivo a definição da localização das edificações, este contém já elementos que traduzem a contextualização geral do projeto de arquitetura e o seu desenvolvimento posterior, aspetos que valorizam e sublinham a importância deste desenho geométrico a duas dimensões, despertando o interesse para a sua análise pormenorizada.
Assim, nesta planta reproduzida à escala 1:500, desenham-se oito blocos habitacionais, paralelos entre si e à distância de 25m, implantados perpendicularmente à avenida do Brasil, com as fachadas viradas a nascente/poente, beneficiando de uma boa exposição solar, de acordo com os princípios básicos da Carta de Atenas3.
A distância entre os blocos paralelos permite a definição de “espaços” destinados a pequenas praças ajardinadas ou espaços pedestres, à semelhança das intervenções na avenida dos Estados Unidos da América, e no chamado “Bairro das Estacas” (Alvalade), inspiradas também no Movimento Moderno4. Nestas áreas ajardinadas é definido um generoso acesso pedonal aos edifícios com pisos térreos vazados, num ato de afirmação modernista.
Os blocos são de dois tipos: os A, com dois apartamentos em cada piso, e os B, nos quais se definem dois edifícios, cada um deles com dois apartamentos por piso. Os oito blocos, além de paralelos entre si, ficam dispostos alternadamente por tipo. Entre eles, definem-se transversalmente edifícios de um piso destinados a garagens e a comércio, traduzindo a interação entre moradores e transeuntes. A cobertura dos edifícios é constituída por terraços que substituem os telhados tradicionais.
Poderíamos ainda acrescentar mais uma legenda a esta planta – “Conjunto edificado para 154 apartamentos” –, sem necessidade de consultar a memória descritiva. Através de simples aritmética, é percetível que, com a altura de sete pisos prevista para as edificações em causa, teríamos cinco blocos A com duas unidades de habitação por piso (70 apartamentos) e três blocos B com quatro unidades de habitação por piso (84 apartamentos). Portanto, um total de 154 apartamentos de habitação.
Atendendo à sua cronologia e modernidade arquitetónica, relembre-se que o projeto foi iniciado em 1951, entrou em construção em 1961 e terminaria cerca de dois anos depois, sendo fundamental ter em atenção a sua reabilitação, designadamente no que respeita à manutenção do revestimento exterior em “azulejo amarelo”, cor arrojada que batizou o conjunto edificado com o nome de “os Blocos Amarelos da avenida do Brasil” ou, mais tarde, na gíria dos arquitetos, a escolha dessa cor como “o amarelo Montepio”.
Sofia Moura-Carvalho
Janeiro 2025
Arquivo Municipal de Lisboa | Geral e Histórico
1 O LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) é um laboratório de referência para o desenvolvimento científico e tecnológico da engenharia civil. O seu edifício principal foi projetado em 1946 por Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957), um dos mais destacados arquitetos portugueses da primeira metade do século XX, com obra que marcou a cidade de Lisboa, tais como o Instituto Superior Técnico (1927), o Instituto Nacional de Estatística (1931), a Igreja de Nossa Senhora de Fátima (1938), as Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos (1934), entre muitos outros.
2 Sobre o Plano de Urbanização da Zona Sul da Avenida Alferes Malheiro ver Neves e Pinto (2019).
3 Redigida por Le Corbusier, a Carta de Atenas é um manifesto urbanístico elaborado no IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), realizado em Atenas, em 1933. Apresenta o conceito de urbanismo moderno, com diretrizes aplicáveis a nível internacional, e enfatiza uma visão funcional da cidade, onde as necessidades humanas devem ser claramente definidas e atendidas. Entre as suas recomendações, destaca-se a separação entre áreas residenciais e de trabalho, e em oposição à densidade compacta das cidades tradicionais, a proposta de uma cidade com edificações integradas em espaços verdes, desenvolvida em altura. Essas ideias influenciaram o crescimento de cidades europeias e sul-americanas, como Brasília, projetada por Lúcio Costa (1902-1998) em 1957, que representa um exemplo emblemático dos princípios da Carta de Atenas (Le Corbusier, 1993).
4 Corrente artística do século XX, o Movimento Moderno emergiu num período de rápidas transformações tecnológicas e crescentes desigualdades sociais. É uma designação ampla para o conjunto de movimentos e escolas que marcaram profundamente a arquitetura. Tem diversas origens, que incluem influências como a Bauhaus, na Alemanha, Le Corbusier, em França, Frank Lloyd Wright, nos Estados Unidos, e os construtivistas, na Rússia. A arquitetura moderna surgiu num contexto de mudanças técnicas, sociais e culturais associadas à Revolução Industrial. Entre as principais características dos arquitetos modernos, destaca-se a rejeição dos estilos históricos e do uso de ornamentos, além da valorização da industrialização, da economia de materiais e do design funcional. Dois lemas emblemáticos do movimento moderno são “menos é mais” (Mies Van der Rohe) e “a forma segue a função” (Louis Sullivan).
Bibliografia
Barbedo, R. (2022). Os prédios Montepio que trouxeram modernismo à Lisboa salazarenta. [Em linha]. Montepio – Associação Mutualista, 4, 2022-09. [Consult. 2024-07-09].
Fernandes, J. M. (2011). José Maria Segurado e os arquitectos Segurado. [Em linha]. JA, Jornal Arquitectos, 243, pp. 4-10 [Consult. 2024-07-10].
Le Corbusier (1993). A Carta de Atenas. Hucitee.
Neves, J. R., & Pinto, P. T. (2019). Logradouros do Montepio Geral. [Em linha]. Cidades, Comunidades e Territórios, 2019, pp. 117-151. [Consult. 2024-07-09].
Tostões, A. (2024). Conjunto da avenida do Brasil. [Em linha]. Fundación Docomomo Iberico, 2024. [Consult. 2024-06-25].