Detalhe
Prémio Valmor 1923
Há 100 anos, o então jovem arquiteto Porfírio Pardal Monteiro foi distinguido pela primeira vez com o Prémio Valmor atribuído ao seu projeto construído na avenida da República, nº 49. Um Prémio que “desde muito cedo [está] associado a um claro prestígio profissional” e que, neste sentido, “é o reflexo do prestígio ‘social’ das obras distinguidas” (Pedreirinho, p. 98).
Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957), diplomou-se em Arquitetura pela Escola de Belas-Artes de Lisboa em 1919, ano em que trabalhou no ateliê de Miguel Ventura Terra, colaboração que terminaria nesse mesmo ano devido à súbita morte daquele arquiteto1. Mas, 1919 é também o ano em que Pardal Monteiro inicia o seu percurso profissional como arquiteto-chefe da Secção de Obras da Caixa Geral de Depósitos, principiando no ano seguinte a sua carreira académica como 1º assistente do Instituto Superior Técnico de Lisboa, onde será professor catedrático (1942), sendo também professor interino da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (1933-1935). Enquanto arquiteto, paralelamente à sua atividade profissional, foi secretário do Conselho Diretor da Sociedade dos Arquitetos Portugueses (1919-1922) e, no Sindicato Nacional dos Arquitetos, foi presidente do Conselho Diretor (1936-1944) e da Mesa da Assembleia Geral (1945, 1948 e 1951), tendo, por inerência de cargo, integrado a Câmara Corporativa. Foi ainda membro do Conselho Superior de Obras Públicas e da Junta Nacional de Educação. Deste modo, “Dos vários arquitectos da geração Modernista, Porfírio Pardal Monteiro foi um dos que se manteve visivelmente mais activo nas décadas de 20, 30 e 40, quer sob o ponto de vista da profissão, quer como professor, quer ainda na procura em estabelecer princípios de entendimento da Arquitectura, em organizar e racionalizar conceitos e modos de pensar e entender” (Toussaint, p. 298).
O arquiteto Pardal Monteiro é um dos principais autores dos projetos contruídos durante o Estado Novo quer por encomenda pública, quer privada. Entre os primeiros encontram-se o Instituto Superior Técnico (iniciado em 1929), o Instituto Nacional de Estatística (1931-1935), a Igreja Nossa Senhora de Fátima (1933-1938), as gares marítimas de Alcântara (1934-1943) e da Rocha do Conde de Óbidos (1934-1945), a sede do Diário de Notícias (1936-1940), o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (1949-1952), o Hotel Tivoli (1952), o Hotel Ritz (1954-1959), as Faculdades de Direito e de Letras e a Reitoria da Universidade de Lisboa (1952-1961) e a Biblioteca Nacional (1964-1969).
Dois destes projetos foram distinguidos com o Prémio Valmor 2 – a Igreja Nossa Senhora de Fátima (1938) e o edifício do Diário de Notícias (1940) – distinção também atribuída a outras três obras do arquiteto projetadas para promotores privados: o Palacete Vale Flor, em 1928, a habitação unifamiliar de António Bravo, em 1929, sendo deliberadamente referido em último o primeiro destes prémios – o edifício plurifamiliar na avenida da República nº 49, atribuído em 1923, que se irá abordar em seguida.
Embora referente ao ano de 1923, a decisão de atribuição do prémio data de 1925. A ata do júri, constituído pelos arquitetos Alfredo d’Ascensão Machado, Adães Bermudes e Luís Cristino da Silva, respetivamente em representação da Câmara Municipal de Lisboa, do Conselho de Arte e Arqueologia e da Sociedade dos Arquitectos Portugueses, refere que “tendo procedido ao exame das construções particulares mais interessantes no referido ano [de 1923], aprovou, por unanimidade de votos, que o dito premio fosse conferido aos Srs. Luiz Rau [proprietário] e Porfírio Pardal Monteiro” (Bairrada, p. 93-94).3
O edifício, com cave e seis pisos, mais dois do que os prédios que o ladeavam, foi projetado em 1920 e a sua construção terminada três anos depois. Insere-se, assim, entre os seus trabalhos relevantes do início dos anos 20 que se caracterizam “por um estilo arquitectónico ecléctico, génese da sua formação” (Silva, p. 56). Edifícios como a Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa (1921), em Setúbal (1924) e no Porto (1923-1928), o prédio nº 49 da Avenida da República (1920-1923) e o Templo Adventista (1923-1924), “revelam sugestões neo-românicas nas suas cornijas, nos vãos de volta inteira, nos seus embasamentos sólidos (característica da solidez construtiva que acompanhará toda a sua obra), na escala, na proporção, no ritmo, na geometria dos vãos, na dureza da volumetria e na invisibilidade das coberturas – características de uma gramática de matriz neoclássica” (Silva, p. 56). Mas, o prémio atribuído, é também relevante pelo facto de Pardal Monteiro ser muito jovem, tendo então 26 anos.
Com planta retangular e um fogo por piso com 12 divisões, “a circulação faz-se através de corredor central perpendicular à rua que acentua a correspondência entre interioridade – interior do lote – e intimidade” (Serrano, vol. II, ficha nº 03). Refira-se ainda que no “projecto original os corpos laterais culminam num andar em mansarda o que não acontece na obra, perdendo-se um pouco a verticalidade pretendida para marcar os remates laterais do prédio” (Serrano, vol. II, ficha nº 03).
Este edifício de habitação plurifamiliar projetado pelo arquiteto Porfírio Pardal Monteiro localiza-se num dos eixos fundamentais da cidade resultantes do seu plano de expansão promovido pelo engenheiro Frederico Ressano Garcia (1847-1911), implantado nos finais do século XIX e em pleno desenvolvimento nas primeiras duas décadas do século seguinte. O seu programa traduz a tendência para a fixação das classes médias e altas na avenida da República, que se afirma, no contexto da cidade, como uma zona residencial de excelência. A distinção deste prédio com o Prémio Valmor de 1923, antes e depois atribuído a outros edifícios habitacionais ao longo de toda esta avenida, testemunha e reforça a importância desta grande via no contexto do desenho de Lisboa e terá, por efeito de replicação, implicações na produção arquitetónica para além dos seus próprios limites.
Este documento encontra-se na base de dados do Arquivo Municipal de Lisboa.
Ana Isabel Ribeiro
Janeiro 2023
Arquivo Municipal de Lisboa
1 Nas palavras que proferiu ao abandonar as suas atividades no Sindicato Nacional dos Arquitectos, em 1954, Pardal Monteiro referiu que considerava o arquiteto Ventura Terra como um “segundo pai e que como [aquele] nunca [o esquecia]”. In Livro de Actas da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos Arquitectos, de 1 de Dezembro de 1943 a 4 de Março de 1954, Ata nº 93, de 4 de Março de 1954. A sua influência será evidente na sua produção inicial.
2 Este prémio foi instituído em 1898, tendo como objetivo premiar a qualidade arquitetónica dos novos edifícios construídos em Lisboa. Atribuído pela primeira vez em 1902 e associado, a partir de 1982, ao Prémio Municipal de Arquitetura, constitui uma distinção pecuniária repartida em partes iguais entre o arquiteto e o proprietário da construção, de acordo com o testamento deixado por Fausto de Queirós Guedes (1837-1898), 2º visconde de Valmor.
3 Ata do júri 12 de janeiro de 1925. O Parecer do júri foi homologado em Sessão Extraordinária da Comissão Executiva da CML de 14 de janeiro de 1925 (Atas, p. 23-24).
BIBIOLOGRAFIA
BAIRRADA, Eduardo Martins (1988) – Prémio Valmor: 1902-1952. Lisboa: s.n..
PEDREIRINHO, José Manuel (2018) – História crítica do Prémio Valmor. Lisboa: Argumentum.
SERRANO, Inês Domingues (2011) – A janela no contexto urbano do início do século XX à actualidade: uma interpretação portuguesa através da arquitectura residencial em Lisboa. Lisboa: [s.n.]. Tese de doutoramento em Arquitetura, Universidade Técnica de Lisboa, Faculdade de Arquitetura, vol. II.
SILVA, Frederico Miguel Pereira da Costa e (2014) - Entre o compromisso e a inovação: o percurso de Porfírio Pardal Monteiro. Lisboa [s.n.]. Tese de mestrado, Universidade Lusíada de Lisboa, Faculdade de Arquitetura.
TOUSSAINT, Michel (2009) – Da Arquitectura à Teoria e o universo da teoria da arquitectura em Portugal na primeira metade do século XX. Lisboa: [s.n.]. Tese de Doutoramento, Universidade Técnica de Lisboa, Faculdade de Arquitetura.