Os Mutantes, comentado por Adriana Sá
'Os Mutantes'
Comentado por Adriana Sá
A propósito do filme de Teresa Villaverde, 'OS MUTANTES' (1998), a artista sonora Adriana Sá comenta a maneira como o som pode ser usado no cinema, entre música e narrativa, como matéria plástica ao serviço do filme. Neste caso feito de modo magistral pelo diretor de som, Vasco Pimentel.
Convocando os estudos de Leo Braudy e Michel Chion, sobre a imagem e o som no cinema, Adriana guia-nos por alguns excertos da banda sonora deste filme, que conta a história de três jovens, Andreia (Ana Moreira), Pedro (Alexandre Pinto) e Ricardo (Nelson Varela), oriundos de famílias disfuncionais, que vivem nas ruas de Lisboa, pelo menos sempre que conseguem escapar das instituições e centros de reeducação, e andam em permanente movimento, fuga ou busca de viver de alguma outra forma que não aquela que lhes impõem.
Adriana mostra-nos, sobretudo, o modo como, neste filme, o som – que, para além dos efeitos sonoros e ambientais, recorre à música de Luigi Nono e de John Cage – consegue fazer oscilar a nossa atenção “entre a musicalidade da construção sonora e o seu significado no contexto narrativo”. A relação audiovisual cria, por vezes, como diz Adriana Sá, “uma sobreposição de espaços”, ora exteriores, ora interiores, entre a cena ou espaço de representação da história e o espaço psicológico dos personagens, numa tensão ambígua que estimula a imaginação do espectador-ouvinte.
O zumbido reverberante e contínuo da ponte sobre o Tejo ancora o filme na cidade de Lisboa, à beira rio, junto ao Cais do Sodré, mas também faz alucinar com os personagens a vertigem e o desejo de evasão. Com uma gravação feita pela própria, no pontão, do chiar dos postes onde se atam os cacilheiros, Adriana sugere precisamente a escuta dos rumores da cidade ao Cais do Sodré onde, nos anos 90, poisavam os miúdos da rua.