Vai e Vem, comentado por André Godinho
'Vai e Vem'
Comentado por André Godinho
O filme 'VAI E VEM' (João César Monteiro, 2003) é pontuado por uma viagem de autocarro minúscula: duas paragens entre a Praça das Flores e o Príncipe Real são a espinha dorsal do filme.
A viagem repete-se.
André Godinho vê nessa repetição o seu próprio movimento pelas ruas onde habita: o movimento das coisas em que reparamos quando vivemos no mesmo sítio há muito tempo. Às vezes essa viagem é acompanhada do princípio ao fim, num só plano que tem assim a duração inteira e real da acção – estratégia (a do plano ter a duração inteira da acção) que atravessa todo o filme, e não apenas essas viagens.
André Godinho identifica nessa estratégia a maneira que João César Monteiro encontrou para controlar a montagem do filme no caso de morrer antes de ele estar acabado. Apesar de isso não ter acontecido (o realizador morreu pouco depois), a iminência da morte marca o vai e vem de João Vuvu (personagem principal interpretada pelo realizador), a narrativa e algumas das entradas musicais.
Fora do autocarro, André comenta a falsidade sonora do filme (os pássaros que não se ouvem no Jardim do Príncipe Real), e o minimalismo sonoro da casa quase sempre fechada (na qual não se ouve o exterior). Descreve também a topografia imaginária do filme, feita pelos percursos sem sentido das personagens quando andam a pé entre sítios que aparecem ligados mas não o estão, na realidade – o que se poderá perceber se se tentar seguir o percurso sugerido neste mapa como se fosse uma linha (é como uma linha que aparece no filme).
Episódio para ouvir debaixo do Cedro do Buçaco, no Jardim do Príncipe Real ou na escadaria da Assembleia da República, num ir e vir pela desaparecida Freguesia das Mercês - onde o que é bom, diz-se no filme, é bom nos Champs Elysées (disse-se há 20 anos mas ainda se poderia dizer hoje e só se perdia a rima).