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Detalhe

Traça Marvila e Alvalade

Mostra de Filmes de Arquivos Familiares

Desde o seu início que a TRAÇA - Mostra de Filmes de Arquivos Familiares, assenta sobre dois pilares: o território, tratado a partir da história da sua habitação, e o arquivo, cujos limites procura expandir. Periodicamente o projeto materializa-se numa mostra, espaço de exposição não apenas dos filmes que estão a ser recolhidos em permanência desde o início do projeto, mas também do trabalho de arrumação, articulação e montagem – do trabalho do arquivo, portanto – feito com e sobre eles.
É a 3ª edição desta mostra que se materializou na forma de um sítio-mapa: um espaço por onde se pode circular e assistir a pequenos acontecimentos – projeções, comentários a projeções, conversas – e instrumento de orientação, guia de percursos de facto, para serem feitos no chão.

Esta edição da TRAÇA só fica completa quando cada projeção, cada imagem, cada voz deste sítio for vista ou ouvida no lugar e na paisagem para que remete este mapa.

Esse chão onde esta TRAÇA aconteceu estende-se entre as freguesias de Marvila e Alvalade. Dois territórios que, apesar de contíguos, estão em parte desenhados para se esquecerem um do outro. Separados por fronteiras físicas – o morro do Parque da Belavista (que tem os seus portões abertos só do lado de cima e portanto não pode ser atravessado) – ou programáticas – Alvalade, “cidade-satélite”, desenhada e programada para ser auto-suficiente e estar fechada sobre si própria -, os dois territórios estão ainda assim ligados pelos percursos históricos ou quotidianos dos seus moradores. Sobretudo dos moradores de Marvila que, ou porque saíram dos bairros de construção informal que até aos anos 90 existiram nos terrenos de Alvalade (como os bairros da Quinta da Holandesa ou da Quinta do Narigão) para ocupar ou serem realojados nos bairros recentes do Vale de Chelas, ou porque continuam a ter de ir às compras ao Mercado de Alvalade, percorreram e continuam a percorrer os caminhos mais ou menos informais que continuam a ligar (de facto ou na memória) as duas freguesias – e isto mesmo se muitos destes caminhos não aparecem nos mapas oficiais.

Serão as vozes – ouvidas ou transcritas – das pessoas que habitam os bairros que teriam recebido a TRAÇA que vão permitir recuperar esses percursos (reais e imaginários) na base desta edição da TRAÇA. Ao longo da semana de 19 a 25 de Outubro de 2020 foi lançado um percurso por dia no sítio-mapa desenvolvido para o projeto. Percursos que no final vão desenhar uma rede de circulação em volta de dois pontos permanentes que indicam o sítio (de facto, no chão) onde esteve montada a exposição MURAL, resultado da residência que a curadora Maria do Mar Fazenda, a convite da TRAÇA, fez neste arquivo de filmes de família.

Se tem sido ponto assente da TRAÇA abrir o arquivo aos trabalhos da arte (cinema no primeiro ano, performance no segundo), o centro dessa abertura tem sido colocado no trabalho do artista. Neste ano, contudo, esse encontro – entre arte e arquivo (e arquivo de filmes de família em particular) e o território da cidade, depois – fez-se a partir do eixo da curadoria. A partir desse eixo não só resultou uma re-arrumação do arquivo, como é habitual nestas residências, mas as próprias fundações do projeto expositivo que é a TRAÇA foram inevitavelmente também jogadas no trabalho que resultou desta residência de curadoria: o espaço – desde logo porque esta Mostra nunca tem centro ou local fixo, o que torna necessário definir o próprio espaço expositivo - e implica também trabalhar de modo direto com ligações e afinidades entre os filmes, primeiro, entre os filmes, os artistas, e o espaço expositivo, no final – questões aliás que são exploradas no limite, no desenho deste sítio em linha.
André Guedes, Carla Filipe, Fernanda Fragateiro, Filipe André Alves, Ramiro Guerreiro foram os artistas que intervieram no MURAL ( e participam também em diversas ações deste sítio).

Da residência da curadora neste arquivo resultou a exposição MURAL mas também MONTAGEM, compilação de fragmentos de filmes de família que organizou em quatro blocos e funcionou como uma espécie de texto curatorial – que foi comentado pela curadora (e por alguns dos artistas com quem trabalhou) em vários pontos deste mapa.

Foi a partir de MONTAGEM, o resultado mais direto da interação e rearrumação do arquivo, que o arquivo de filmes de família foi exposto no programa desta edição: todos os filmes vistos ao longo da semana deram o contexto e permitiram conhecer as coleções das quais a Maria do Mar retirou excertos (e assim permitiram perceber o trabalho que fez com eles). E algumas destas coleções voltamos a abrir e a dar a outros - e poderíamos ficar indefinidamente nesse jogo de abrir e voltar a abrir o mesmo arquivo e ficar a ver o que acontece: a projeção de algumas coleções foi aqui acompanhada por alguns dos artistas que foram descobrindo este arquivo ao longo das várias edições da TRAÇA – e são já a sua família – cineastas e artistas da performance que, convidados a comentarem as imagens, acabam por expandi-las muito para lá das fronteiras deste programa: Jorge Silva Melo, Margarida Cardoso, Raquel André, Sofia Dinger, Sofia Dias & Vítor Roriz foram os artistas que expandiram este arquivo e Catarina Alves Costa regressou à TRAÇA para mostrar Swagatam (que é também uma espécie de filme de família) no local (virtual) onde foi feito.

O arquivo apareceu aqui a ser remexido por numerosas mãos, que arrumam o que é desarrumado logo a seguir por outros que descobrem ligações novas entre as mesmas imagens – talvez os movimentos que melhor descrevem os solavancos da memória sejam os ecos, regressos, reverberações e este sítio-mapa está cheio deles.

Por fim, uma nota sobre a palavra projeção, usada em cima, porque é aqui uma palavra importante. Primeiro, porque permite sublinhar que a paisagem constituída a partir deste sítio-mapa foi, de diversas maneiras, uma paisagem projetada. Isto, porque se projetaram paisagens passadas na paisagem atual de Marvila e Alvalade, a partir das vozes daqueles que aí vivem. Projetaram-se também as paisagens de Marvila em Alvalade, descobrindo-se praças sem nome, baldios e traseiras nesse bairro racional desenhado inteiro no papel. E, finalmente, foram projetados os filmes feitos pelos moradores da cidade num território onde não foram feitos: Alvalade foi o bairro de onde nos chegaram mais filmes, mas Marvila está totalmente ausente neste arquivo de filmes de família (e esse campo-cego é uma das razões que trouxe a TRAÇA para aqui, para destabilizar e questionar o centro, também no que diz respeito à produção de imagens). Foram assim projetadas paisagens a partir do encontro entre filmes e um território onde não foram feitos.

Projeção é também importante para descrever a necessidade de re-mediar (literalmente) este programa que não pode acontecer de facto, como é habitual, nos locais (de habitação privada ou informal) que habitualmente recebem cada encontro (entre moradores, depositantes e realizadores, artistas e curadores) que a TRAÇA é. Não quisemos impor a ordem em espaços de intimidade, que são aqueles por onde circula a TRAÇA habitualmente, e por isso organizamos este sítio-mapa como uma espécie de memória do que teria sido a TRAÇA com o desejo de que ele seja usado para percorrer os espaços e refazer os encontros que teriam acontecido.

Cada um desses encontros é aqui também ele uma projeção (no presente, de um passado que não aconteceu). Encontros estilhaçados e refeitos – como as mesas de trabalho transformadas em cadavre exquis – ou encontros literalmente mediados – como as alunas e professora da escola de artes Ar.Co (vizinha de Xabregas), Ana Almeida, Ana Vala e Maria Mire, convidadas a descrever (que é mediar mas também percorrer) as viagens de autocarro que teríamos feitos juntos – ou encontros decalcados das sobreposições de vozes, imagens e textos que se abrem em cada local para descobrir no chão.
É um mapa para ser usado.

Alexandra Martins e Maria Silvandira Martins
Ana Almeida
Ana Vala
André Guedes
Avelino Ferreira
Bruno Caracol
Carla Filipe
Catarina Alves Costa
Fernanda Fragateiro
Filipe André Alves
Francesca Berardi
Francisca Lima
Jorge Silva Melo
José Diogo Gonçalves
Margarida Cardoso
Maria Mire
Maria Ramalho
Ramiro Guerreiro
Raquel André
Rui Mendes
Sofia Dias & Vítor Roriz
Sofia Dinger
Teresa Castro
Teresa Palma Rodrigues
Teresa Valsassina Heitor
Vasco Santos

Coleções de Filmes de Família de Álvaro e António Lourenço, António Cunha, Fernando Rafael Ferro, Inês Goes, José Diogo Gonçalves, Luisa Ramos Crick, Manuel Maria Laginha, Maria da Assunção, Pedro Salgado de Oliveira, Pedro Torres

Nara Miranda, Sara Rodrigues (Casa dos Direitos Sociais – Espaço Flamenga)
Alexandra Cruz, Ana Pinto, Miguel Simões (Associação de Moradores do Condado)
Elsa Vicente (Centro Social Paroquial São Maximiliano Kolbe)
Constantino Rodrigues (Associação Socio-cultural do Bairro Marquês de Abrantes)
Marco Pereira e direção da Associação de Moradores do Bairro Marquês de Abrantes
Esmeralda Saragoça (Centro Comunitário do Bairro da Flamenga - SCML)
Maria João Teixeira (Centro de Desenvolvimento Comunitário do Bairro dos Lóios - SCML)
Sara Vaz (ATM – Associação Tempo de Mudar)
José Moreira (Associação de Moradores do Bairro dos Alfinetes e Salgadas)
Luís Reis (Grupo Comunitário 4 Crescente)
Manuel Lacerda (Associação de Moradores do Bairro das Amendoeiras)
Marco Silva (Sociedade Musical 3 d’Agosto de 1885)
Rute Oliveira (Junta de Freguesia de Alvalade)
Elisabete Santa-Bárbara (Biblioteca dos Coruchéus)
Biblioteca de Marvila
Alexandra Areia
António Brito Guterres
Clara Barbacini (Arquivo dos Diários)
Francisco Moniz Pereira
Inês C. Monteiro
Joana Mourão
João Martins (ICS)
Patrícia Pimentel
Ricardo Julião
Todos os moradores que nos receberam e guiaram pelos seus bairros

Coordenação do projeto: Inês Sapeta Dias e Fátima Tomé
Curadora convidada: Maria do Mar Fazenda
Produção executiva: Pedro Soares
Programa, organização de conteúdos: Fátima Tomé e Inês Sapeta Dias

Traduções: Inês Sapeta Dias
Design: Joana Pinheiro
Assessoria de Imprensa - Wakeup!
Comunicação: Pedro Cordeiro e Susana Santareno
Desenho e Programação do Website: OH ! MANA
Montagens Vídeo/Áudio e Apoio Técnico - Álvaro Silva, Pedro Vieira, Fátima Rocha
Financiamento: Projeto ROCK