Detalhe
Eduardo Portugal e a “Indústria das Recordações”
Na presente edição do Documento do Mês destacamos o álbum Nazaré1, datado de 1936, pertencente ao espólio Eduardo Portugal2. É formado por sete folhas em cartolina, artisticamente ornamentadas por desenhos de “Abílio”3, nas quais se encontram coladas 25 provas em papel de revelação baritado, quatro delas com viragem (sépia, selénio), da autoria de Eduardo Portugal, sobre a vila da Nazaré. As imagens mostram panorâmicas da vila e da praia, a faina piscatória, pescadores e vendedoras de peixe tipicamente trajados, aspetos do quotidiano, costumes nazarenos e vistas do santuário da Nossa Senhora da Nazaré. Este é um documento exemplar que nos permite não só estabelecer relações entre os vários núcleos que compõem o espólio do fotógrafo, como desvelar um dos muitos projetos e parcerias que Eduardo Portugal desenvolveu ao longo da sua profícua carreira de fotógrafo, colecionador4 e editor.
Eduardo Macedo d’Elvas Portugal (1900-1958) nasceu na cidade de Lisboa. Descendente de uma abastada família de comerciantes ingressou na Escola Académica, onde concluiu os estudos primários (1911) e o curso comercial (1915). Deste último recebeu uma sólida formação que lhe permitiu iniciar, logo após os estudos, a carreira de arquivista, função que desempenhou no Banco Portuguez e Brasileiro até ao seu encerramento, em 1932. Após este ano, trabalhou na Portugal&Diniz, chapelaria do pai sediada na baixa lisboeta. Paralelamente, foi desenvolvendo o gosto pela fotografia. Contudo, é entre as décadas de 1930 e de 1950 que encontramos o período de maior produção, no qual produziu uma imensa variedade de negativos, especialmente sobre a cidade de Lisboa, mas também sobre outras localidades portuguesas. Panorâmicas, monumentos, evoluções urbanísticas, trajes e costumes foram minuciosamente fotografados com a intenção de documentar os locais e editar coleções de bilhetes-postais, brochuras e guias de propaganda turística, nas quais, além das imagens, foi autor dos textos explicativos. Colaborou com várias câmaras municipais, assim como com revistas turísticas e agências internacionais.
A sua vasta rede de contactos, formada, sobretudo, por intelectuais, olisipógrafos, editores e artistas, pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo Grupo Amigos de Lisboa, solicitou-lhe frequentemente fotografias para ilustrar as suas edições. Por encomenda da Câmara Municipal de Lisboa, fez uma rigorosa cobertura fotográfica das grandes transformações urbanísticas ocorridas na década de 1940. Estas imagens integram a Coleção Eduardo Macedo Portugal, totalizando um conjunto de 2395 documentos fotográficos onde se salientam os negativos e diapositivos de gelatina e prata em vidro e os negativos em película de acetado e de nitrato de celulose.
O Fundo Eduardo Portugal, composto pelo espólio que ficou na residência do autor, inclui negativos originais, em película de nitrato de celulose, provas em albumina, papel direto, e papel de revelação baritado, entre outros processos fotográficos, álbuns com imagens selecionadas por temas, da sua autoria e de outros autores, bilhetes-postais, gravuras, documentação pessoal, originalmente organizada por Eduardo Portugal, e, por fim, objetos pessoais e a sua biblioteca, constituindo uma das maiores e mais relevantes coleções fotográficas à guarda do Arquivo Municipal de Lisboa. Este conjunto tem vindo a ser tratado, restaurado, digitalizado e disponibilizado ao público. É através da documentação escrita, impressa e iconográfica que temos acesso ao contexto de produção das fotografias, nomeadamente, as encomendas, os projetos, exposições e publicações onde as suas imagens foram apresentadas.
O álbum Nazaré é caso paradigmático. O que parecia ser apenas um álbum de fotografias do autor, emolduradas pelo desenho de Abílio de Mattos e Silva, já de si excecional pela qualidade dos registos e do traço, revelou ser afinal a maqueta de uma brochura sobre a Nazaré5, amplamente documentada e pertencente a um conjunto de propostas apresentadas por Eduardo Portugal à Comissão de Iniciativa da Nazaré, entre 1936 e 1937, onde se incluíam folhetos, guias, itinerários, um livro de honra, bilhetes-postais, cartazes, entre outros.
A brochura “Portugal-Nazaré”, realizada no âmbito da produção de materiais de divulgação turística e de propaganda, foi apenas um dos vários projetos propostos por Eduardo Portugal a diversas comissões de iniciativa, consciente da importância do turismo na valorização regional e nacional, tão em voga naquele período.
O autor traçou um verdadeiro plano de comunicação junto da Comissão de Iniciativa da Nazaré, a que chamou de “Indústria das Recordações”, um modo de “estudar a melhor maneira do visitante gastar dinheiro na localidade que visita vendendo-lhe o que ele muitas vezes não necessita, mas que constitui rendimento (trabalho ou lucro de venda) e uma recordação que ele mostrará aos seus amigos e conservará por mais ou menos tempo ou ainda qualquer coisa que lhe agradará ao paladar. É o que se chama em português “Esfolar sem tirar a pele!”. Tive ocasião de ver o assunto aí na Nazaré: Nada Existe!”6.
Partindo da documentação temos acesso às diferentes fases de realização da brochura: o livro de registo de 19367, que refere as fotografias (depois utilizadas para a edição de 2 conjuntos de bilhetes-postais); a correspondência, onde encontramos a proposta, a encomenda, dados sobre a edição, tradução e divulgação; os desenhos originais de Abílio de Mattos e Silva, a tinta da china, e por fim, a maqueta da brochura, o álbum Nazaré, que apresenta a paginação e arranjo gráfico dos desenhos e das provas fotográficas, totalizando um conjunto que permite compreender e documentar todo o processo de execução da publicação.
Bruno Ferro e Mariana Caldas de Almeida, Arquivo Municipal de Lisboa
Outubro 2025
1 Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/POR/13/094.
2 O espólio Eduardo Portugal tem duas entradas distintas no Arquivo Municipal de Lisboa: A Coleção Eduardo Macedo Portugal (EDP), adquirida pela Câmara Municipal de Lisboa entre os anos de 1947 e 1958 e o Fundo Eduardo Portugal (POR), doado por familiar do autor ao Arquivo Municipal de Lisboa, em 1991.
3 Abílio de Mattos e Silva (1908-1985) foi pintor, cenógrafo e figurinista. A cultura popular da Nazaré foi inspiradora de uma parte significativa da sua obra.
4 Além de produtor de fotografia, Eduardo Portugal foi, também, colecionador, adquirindo ou reproduzindo imagens de outros autores: na sua coleção podemos encontrar um núcleo de negativos originais de António Novaes (1854-1940), provas de albumina assinadas por Francesco Rochinni (1821-1893) e outros, assim como reproduções de provas antigas sobre variados temas e de vários autores.
5Portugal-Nazaré, Comissão de Iniciativa da Nazaré, Lisboa, 1936 (Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/POR/02/004). A publicação acrescenta uma outra imagem da autoria de Álvaro Laborinho, fotógrafo nazareno, cuja prova original se encontra no conjunto da documentação de Eduardo Portugal.
6 Minuta de Eduardo Portugal dirigida à Comissão de Iniciativa da Nazaré (Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/POR/09/054/010).
7 Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/POR/01/021.
Bibliografia
Corda, I., & Moita, A. P. (2014). Eduardo Portugal (1900-1958). Câmara Municipal de Lisboa. [Consult. 2024-12-20].
Pavão, L. (2007). O espólio de Eduardo Portugal. Cadernos do Arquivo Municipal. I Série (9), 238-251.
Santos, D. (2020). Arte, museus e memórias marítimas: Identidade e representação visual da Nazaré [Tese de Doutoramento em História da Arte, especialização em Museologia e Património Artístico, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas]. RUN/ Repositório da Universidade NOVA de Lisboa. [Consult.10/07/2025].
Sena, A. (1998). História da Imagem Fotográfica em Portugal, 1839-1997. Porto Editora.
Serra, F. (2020). A Nazaré como heterotopia cinemática: Imagens e representações do mar e dos seus actores. In Imaginários do Mar - Uma Antologia Crítica (Vol. 1., pp.95-120). IELT/NOVA. [Consult.10/07/2025].

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