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Detalhe

Memorial aos Antifascistas

A memória inscrita em pedra que o tempo não apagará

Processo nº: 16726/DSCC/PG/1976, pág. 6, 1976 a 1978

O fascismo em Portugal teve a sua existência entre 1926 e 1974, e caraterizou-se por um regime de ditadura militar que evoluiu para uma autocracia de índole fascista, liderada por António Oliveira Salazar. A constituição de 1933, legitimadora da opressão, determinava que todos os opositores ao regime e defensores de ideologias divergentes fossem encarcerados, esquecidos e remetidos ao isolamento. É neste âmbito que em 1936, através do Decreto nº 26539, de 23 de abril de 1936, é criada uma Colónia Penal para presos políticos e sociais no Tarrafal, que viria a ser apelidada de Campo de Concentração do Tarrafal ou Campo da Morte Lenta, situada em Cabo Verde. Os números oficiais indicam que estiveram em situação de reclusão 340 antifascistas, dois quais 32 perderam a vida neste Campo de Concentração.1

Do desejo de homenagear, exaltar e eternizar as vidas perdidas no Tarrafal, o Partido Comunista Português, em 28 de julho de 1975, idealizando a construção de um “monumento que invocasse os sacrifícios dos que durante o fascismo lutaram pela liberdade, dirige á Câmara Municipal de Lisboa, um pedido de concessão de um talhão de terreno, para ali erigir um Mausoléu. Este monumento seria assim, uma recordação, um documento, e uma homenagem à resistência portuguesa, lembrando e exaltando todos aqueles que caíram e sofreram sob o calcanhar de ferro do fascismo”2.

A materialização permanente dessa vontade, ocorre, assim com a queda do Estado Novo, e é promovida pelo PCP (que viu muitos dos seus ativistas serem enviados para o Tarrafal como retaliação pela forte oposição ao regime) e pela Comissão Promotora da Trasladação (constituída em 1978 com o objetivo de trasladar para Portugal os restos mortais dos 32 portugueses falecidos no Tarrafal), entretanto constituída pelos sobreviventes do Tarrafal, familiares dos falecidos, e personalidades que lutaram pela liberdade, e que contribuíram para fazer de Portugal um país democrático.

Assim, em 1975, o PCP representado por Francisco Miguel Duarte (que também cumpriu pena no Tarrafal até ser transferido para o Aljube e depois para Caxias), solicitou a concessão de um talhão de terreno á Direção dos Serviços de Salubridade e Transportes- 1.ª Repartição-Higiene Urbana da Câmara Municipal de Lisboa, cuja localização se situasse no cruzamento das ruas 9 e 29 do cemitério do Alto de S. João, para edificar um Ossário-Monumento ao qual seria atribuído o nº de macroprocesso de jazigo 15545/1ºASJ, na posse do Arquivo Municipal de Lisboa, com a finalidade de ali serem depositados os restos mortais dos antifascistas falecidos no Tarrafal que se encontravam sepultados no cemitério da Ilha de Santiago, em Cabo Verde, onde continuavam remetidos ao isolamento, reclusão e distanciamento do seu povo, da sua pátria e família3.

Em 1976, com a abertura do processo 16726/DSCC/PG/1976, é autorizada pela Camara Municipal de Lisboa, a cedência do terreno ao PCP para a construção do Mausoléu, ficando isentos do pagamento de taxas. O projeto de arquitetura foi assinado por Manuel Ramos da Costa Martins, arquiteto inscrito na CML, sob o nº 133 e o construtor funerário responsável pela sua execução foi Gaspar José Martins Rodrigues, inscrito na CML sob o nº 895.

A obra de construção ficaria concluída em 31 de janeiro de 1978, tendo sido realizada a vistoria para ocupação em 16 de fevereiro de 1978, registada no processo 4330/DSCC/PG/1978.
Em 9 de fevereiro de 1978, o executivo da Comissão Promotora da Trasladação dos restos mortais dos antifascistas falecidos no Campo de Concentração do Tarrafal, representado por Francisco Miguel Duarte, solicitou autorização ao Presidente da Camara Municipal de Lisboa, para gravar no Ossário-Monumento a seguinte inscrição:

“Aos que 
Na longa noite do fascismo
Foram portadores da chama
Da liberdade
E pela liberdade
Morreram
No campo de concentração 
Do Tarrafal”

O mausoléu nº 15545/1ºASJ, foi inaugurado em fevereiro de 1978, tendo recebido os restos mortais trasladados de 32 prisioneiros portugueses, por alvarás emitidos pela secção Consular da Embaixada de Portugal na cidade de Praia. A sua inauguração do ossário-monumento foi marcada por um cortejo fúnebre que teve início na Sociedade Nacional de Belas Artes e se dirigiu ao cemitério do Alto de S. João, como forma de prestar uma justa e última homenagem a:

Abílio Augusto Belchior, falecido em 29/10/1937
Albino António de Oliveira Carvalho, falecido em 22/10/1941
Albino Coelho Júnior, falecido em 11/08/1940
Alfredo Caldeira, falecido em 01/12/1938
António de Jesus Branco, falecido em 28/12/1942
António Guedes de Oliveira e Silva, falecido em 03/11/1941
António Guerra, falecido em 28/12/1948
Arnaldo Simões Januário, falecido em 27/03/1938
Augusto Costa, falecido em 22/09/1937
Bento António Gonçalves, falecido em 11/09/1942
Cândido Alves Borja, falecido em 24/09/1937
Casimiro Júlio Ferreira, falecido em 24/09/1941
Damásio Martins Pereira, falecido em 11/11/1942
Edmundo Gonçalves, falecido em 13/06/1944
Ernesto José Ribeiro, falecido em 08/12/1941
Fernando Alcobia, falecido em 19/12/1939
Francisco do Nascimento Esteves, falecido em 20/01/1938
Francisco Domingues Quintas, falecido em 22/09/1937
Francisco José Pereira, falecido em 20/09/1937
Francisco Nascimento Gomes, 15/11/1943
Henrique do Vale Domingues Fernandes, falecido em 07/07/1942
Jacinto de Melo Faria Vilaça, falecido em 03/01/1941
Jaime da Fonseca Sousa, falecido em 07/07/1940
João Diniz, falecido em 12/12/1941
Joaquim Marreiro, falecido em 03/11/1948
Joaquim Montes, falecido em 14/02/1943
Manuel Alves dos Reis, falecido em 11/06/1943
Manuel Augusto da Costa, falecido em 03/06/1945
Mário dos Santos Castelhano, falecido em 12/10/1940
Paulo José Dias, falecido em 13/01/1943
Pedro de Matos Filipe, falecido em 20/09/1937
Rafael Tobias Pinto da Silva, falecido em 22/09/1937

A escolha do documento do mês recaiu sobre um desenho-perspetiva constante no processo 16726/DSCC/PG/1976, no qual é expressa uma intenção, uma ideia e uma vontade de dar forma a uma memória que se quer manter viva, presente, e eterna na consciência de todos nós. Porque é preciso não esquecer as vidas perdidas no Tarrafal para que os portugueses pudessem viver em liberdade e também para que as gerações presentes e futuras compreendam o valor da liberdade, de viver em democracia e nunca deixem de lutar contra o fascismo.
O PCP e a Comissão Promotora da Trasladação idealizaram um espaço de memória, que é por excelência o espaço dos Arquivos.

Para além do processo de jazigo 15545/1ºASJ, o Arquivo Municipal de Lisboa tem à sua guarda outros documentos relacionados com este mausoléu, de que é exemplo o fundo documental de José Neves Águas, constituído por diversos materiais de cariz político, nomeadamente, panfletos, fotografias de manifestações e cartazes alusivos ao Campo de Concentração do Tarrafal, à inauguração do Monumento, ao apelo feito para que o povo da região de Lisboa participasse no cortejo fúnebre, assim como de divulgação da exposição realizada na Galeria Nacional de Arte Moderna-Mercado do Povo, Belém , ou ainda da coleção do fotógrafo Fernando Gonçalves, da qual é parte integrante uma fotografia do dia da inauguração do Monumento no cemitério do Alto de S. João. 

Andreia Pisco
Março 2025
Arquivo Municipal de Lisboa 


1Dossier do Tarrafal, Coleção Resistência, Edições Avante, 2ª edição, 2006.
2Arquivo Municipal de Lisboa, Gestão Cemiterial, Jazigo nº 15545/1ºASJ, Processo 16726/DSCC/PG/1976, Folha 3
3Arquivo Municipal de Lisboa, Gestão Cemiterial, Jazigo nº 15545/1ºASJ
4Arquivo Municipal de Lisboa, Gestão Cemiterial, Jazigo nº 15545/1ºASJ, Processo 4330/DSCC/PG/1978, Folha 3