Detalhe
O 25 de Abril é das pessoas
Pois a cultura não é um luxo de privilegiados, mas uma necessidade fundamental de todos os homens e de todas as comunidades. A cultura não existe para enfeitar a vida, mas sim para a transformar - para que o homem possa construir e construir-se em consciência, em verdade e liberdade e em justiça. E, se o homem é capaz de criar a revolução, é exatamente porque é capaz de criar cultura. 1
Sophia de Mello Breyner Andresen, 3.9.1975
O documento do mês que escolhemos para abril é uma imagem cedida por Maria Odete Catuna para o projeto «O 25 de Abril é das pessoas» que o Serviço Educativo do Arquivo Municipal de Lisboa (AML) concebeu e implementou para assinalar os 50 anos do 25 de Abril de 1974. Maria Odete contou-nos que tirou esta fotografia no dia 26 de abril de 1974 perto do Largo de Camões. Nesse dia, veio à Baixa para uma consulta médica e encontrou a cidade cheia de soldados, alguns em movimentações militares e outros a descansar, como este que fotografou, sentado e encostado a uma parede com a sua espingarda enfeitada com um cravo, numa pausa para comer ou beber alguma coisa e também fumar.
Esta fotografia pessoal, que esteve guardada no álbum de Maria Odete e hoje integra o acervo do AML, simboliza que «O 25 de Abril é das pessoas», pois surge de um projeto de recolha de testemunhos e consolida a importância do contacto com as fontes primárias para a formação cívica das novas gerações, fornecendo ferramentas para manter um Arquivo ativo e acessível a todos.
Paralelamente à história oficial que os documentos do AML contêm e comprovam, acreditamos que a recolha dos testemunhos pessoais tem uma importância fulcral para melhor compreender a vida na cidade de Lisboa neste período revolucionário, pois estes acrescentam uma camada de significado e de contexto que os documentos oficiais, pelas suas características e finalidade, não conseguem registar.
Para a realização de «O 25 de Abril é das pessoas» estabeleceu-se uma parceria com a Unidade de Animação Socioeducativa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que permitiu chegar a muitos cidadãos lisboetas, na época jovens adultos, maioritariamente provenientes de famílias desfavorecidas e cuja voz nunca tinha sido ouvida.
Queríamos saber como foram vividos pelos lisboetas os momentos ocorridos neste período. Que experiências lhes trouxe a revolução? O que se alterou e o que ficou igual?
Os testemunhos recolhidos transportam-nos para a época em que eram jovens, alguns ainda na casa dos 20 anos e outros já mais perto dos 50 e contêm pormenores riquíssimos e emocionantes, seja pela constância com que certas realidades surgiam (como andavam descalços na infância, a fome, a precariedade da habitação e das condições de trabalho), seja pelas implicações ou consequências que tiveram nas suas vidas. Ouvi-los dizer que a maior conquista do 25 de Abril foi a liberdade ou o facto de os seus filhos já não irem para a guerra reflete o alcance amplo e profundo desta revolução.
Daí a importância de registar cada um destes testemunhos, agora e antes que seja tarde, para que permaneçam para sempre como memória deste momento da nossa história. E consolidar a importância da palavra Liberdade.
Metodologicamente, foi lançado um repto aos utentes dos centros de dia e lares da SCML, com o compromisso de ouvir todos os que estavam interessados em nos dar testemunho das vivências do quotidiano naquele período.
Nesta primeira fase foram recolhidos cerca de 50 testemunhos orais, dos quais foram selecionados e regravados 27 testemunhos, considerados os mais significativos e compreensíveis. Estes foram agrupados por temas e disponibilizados em episódios temáticos no formato de Podcast.
Desta seleção surgiram nove episódios com os contributos que passam a fazer parte da memória da cidade e podem ser partilhados com todos:
- Por Lisboa no dia 25 de Abril (com os testemunhos de José Rodrigues, Maria José Gordo, Ermelinda Bernardo e Isaura Pacheco).
- O 25 de Abril fora de Portugal (com os testemunhos de Francisco Gonçalves, Maria Leonor Silva, Maria Otília Cruz, Luís Alberto Delgado e Maria da Piedade Costa).
- O primeiro 1.º de Maio (com os testemunhos de Amélia Valério, Rosária Lopes, José Luís Cunha e Joaquina Calisto).
- A consciência política (com os testemunhos de Maria Lucinda Martins, Rosária Lopes, Francisco Gonçalves, Isaura Pacheco e Maria da Piedade Costa).
- O papel da mulher (com os testemunhos de Octávia Costa, Maria Otília Cruz, Maria de Lurdes Fernandes e Maria da Conceição Lopes Santos).
- A situação no trabalho (com os testemunhos de Rosa Fernandes, Rosária Lopes, Vítor Santos, Maria José Raposo, Lucinda Martins e Vítor Fernandes).
- Atividades económicas, comércio e outros - parte I (com os testemunhos de Artur dos Santos e Manuel Claudino).
- Atividades económicas, comércio e outros - parte II (com os testemunhos de David Charim, Cesarina Henriques e Adelino Inácio).
- As condições da habitação (com os testemunhos de Albertina Mendes, Amélia Valério, Maria José Raposo e Maria da Nazaré Torres).
Este Podcast «O 25 de Abril é das Pessoas»contou com a edição de som da Videoteca.
Ao mesmo tempo, os participantes entregaram fotografias de família captadas no espaço urbano de Lisboa, assim como outros documentos de época, sobre os quais foi realizado o respetivo tratamento documental e digitalização, antes de serem devolvidos aos proprietários. Foi o caso da fotografia em destaque neste mês.
Até ao momento foram entregues 54 fotografias que passam a fazer parte do acervo do Arquivo Municipal de Lisboa e, consequentemente, da memória da cidade, acessíveis ao público online.
Atualmente, a equipa do Serviço Educativo encontra-se a fazer sessões de apresentação desde Podcast junto dos diferentes equipamentos que colaboraram neste projeto e continua a recolher fotografias e documentos da época. Assim, se tiver ou conhecer alguém que tenha fotografias captadas nesse período, pode entrar em contacto com a equipa do Serviço Educativo e fazer parte deste projeto.
Ana Brites, Filipa Ferreira e Vitória Pinheiro
Abril 2025
Arquivo Municipal de Lisboa - Serviço Educativo
Citação
1 Excerto do discurso da Sr.ª Deputada Sophia de Mello Breyner Andresen, a 3 de setembro de 1975, no debate sobre a liberdade de criação cultural, na Assembleia da República. Documento eletrónico consultado a 4 de março de 2025.