Detalhe
Cadernos do Arquivo Municipal, chamada para artigos
Está a decorrer até 30 de junho de 2023 a chamada para artigos para o dossier temático do número 21 da revista científica Cadernos do Arquivo Municipal, a publicar em janeiro de 2024, em modalidade de publicação contínua, "Um tempo após um contratempo: reverberações persistentes da Revolução dos Cravos”.
A revolução, mesmo derrotada, ou desvirtuada, conserva uma espécie de invencibilidade, porque permanece na memória dos povos como narrativa exaltante e inspiradora, fonte regeneradora das mais fundas expectativas de felicidade colectiva, manancial inesgotável de energias mobilizadoras contra a depressão e a decadência, voo de águia ou salto de tigre sobre o caminhar lento e penoso de um mundo hostil e sem esperança.
Manuela Cruzeiro, A nossa fada Morgana – Viagem pelos imaginários da revolução de Abril (2017, p. 25).
Quando o tempo acelera, o presente parece ficar aquém da possibilidade de ser experimentado como tal, e evade-se em direção ao futuro. Os momentos em que a história se apressou são raros, mas marcantes, assinalados através de políticas públicas de memória que os inscrevem no calendário dos feriados, na toponímia e na estatuária pública, nos livros escolares em que se aprende a história. Assim sucedeu em Portugal com o 25 de Abril de 1974, que pôs fim a uma ditadura, ao mesmo tempo que incorporou um potencial de esperança e alento. Como formato de transição para a democracia que abalou as estruturas de poder, dilatou o campo das possibilidades. A ânsia de mudança manifestar-se-ia também nos domínios artísticos, reconfigurados em sintonia com o decorrer do processo revolucionário, cujos protagonistas espelhavam na sua atividade as várias aspirações coletivas do momento.
Além do tempo encravado e pautado pela guerra colonial, que espoletou o final do fascismo português, e cujos efeitos se sentem até à atualidade, emergiram após o 25 de Abril de 1974 instantes, associados a modos de construir um país que deixaram um rasto de esperança numa nova ordem. Conduziram à nacionalização da banca e de sectores estratégicos da economia, à reforma agrária nos campos do Sul, à ocupação de casas e de fábricas, ao SAAL, ao Serviço Médico à Periferia, às campanhas de alfabetização e de educação sanitária, ao Serviço Cívico Estudantil, às Campanhas de Dinamização e Acção Cívica do MFA, ao saneamento de empresas e de universidades. Transformaram a dinâmica de comunidades migrantes espalhadas por diversos pontos da Europa e do Mundo, com o retorno de milhares de portugueses que se tinham exilado em fuga à guerra colonial e por outras razões de ordem política e económica. Conduziram também a importantes mudanças nos media e na produção e divulgação de práticas artísticas outrora escamoteadas pela censura estatal.
Como notava Antonio Gramsci, a história é sempre contemporânea – ou seja, política. Num tempo em que serão múltiplas as propostas de olhares sobre o cinquentenário do 25 de abril de 1974, uma revolução pautada por uma euforia que ultrapassou o dia antes e que surpreendeu no dia seguinte, num desbloqueio do futuro, sugerimos um olhar no limiar de várias disciplinas neste número transversal dos Cadernos do Arquivo Municipal, entre as ciências sociais e humanas, as artes, a literatura e outras formas de intervenção na realidade, através de quatro vertentes:
1) uma mais historiográfica, que aborde as principais transformações políticas e sociais ocorridas em Portugal durante o período revolucionário, desde a proliferação de organizações partidárias, às mudanças na configuração do estado e nas instituições públicas, ao fim da Guerra Colonial, à reforma agrária.
2) outra, assente no "legado" de Abril, na sua memorialização e consequentes tentativas de "esterilização" do seu potencial subversivo, que se intersecta com a usualmente denominada "crise das utopias".
3) as transformações ocorridas no universo local de práticas artísticas, desde a música ao cinema, incidindo também nas transformações ocorridas nos principais meios de comunicação.
4) o impacto do 25 de Abril na emigração e imigração.
Este número contará com a coordenação científica de Paula Godinho (FCSH, Universidade NOVA de Lisboa) e de Ricardo Andrade (FCSH, Universidade NOVA de Lisboa).
Os artigos devem ser submetidos através de email tendo em consideração instruções específicas, e estão sujeitos a arbitragem científica. Os artigos selecionados serão publicados no número 21 da revista a publicar em janeiro de 2024.
A revista científica 'Cadernos do Arquivo Municipal' divulga trabalhos inéditos no âmbito das Ciências Sociais e Humanas (História, História de Arte, Sociologia, Antropologia, Geografia, Arquitetura, Urbanismo, entre outras) e disponibiliza os textos na modalidade de publicação contínua.