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Detalhe

O Portugal dos Pequenitos celebra 85 anos

Projetado pelo arquiteto Cassiano Branco

Vista do jardim fronteiro à Casa da Criança e à Aldeia do Ninho dos Pequenitos, destacando-se a escultura da Rainha Santa. Pág. 1

registo no catálogo

A 8 de junho de 1940 foi inaugurado o Portugal dos Pequenitos, em Coimbra, projetado por Cassiano Branco (1897-1970), a obra em que trabalhou mais tempo na sua vasta e longa carreira, nomeadamente durante 25 anos, entre 1937 e 1962.
O seu planeamento deve-se a Bissaya Barreto (1886-1974), médico-cirurgião, filantropo, presidente da Junta de Província da Beira Litoral, personagem fundamental no poder político da região centro durante o Estado Novo, muito próxima de António de Oliveira Salazar (1889-1970), Presidente do Conselho de Ministros entre 1932 e 1968. Apesar de “a forma como […] descobriu Cassiano Branco permanecer desconhecida”1,  foi este o arquiteto escolhido por Bissaya Barreto para o projeto.

O Portugal dos Pequenitos, ou Aldeia do Ninho dos Pequenitos de Santa Clara, por via da localização nos terrenos do Rossio de Santa Clara, começou por ser um jardim infantil para a Casa da Criança da Rainha Santa Isabel, um dos infantários da obra assistencial, sobretudo materno infantil, e pedagógica da supradita Junta, tendo evoluído para um projeto bastante maior, “em que se encenou um Portugal rural e idílico, a sua história épica e monumental e a missão evangelizadora e missionária do império colonial”2. Por conseguinte, a sua construção, à dimensão das crianças, com uma forte vertente didática, deve ser entendida no contexto da Exposição do Mundo Português, em Lisboa, inaugurada a 23 de junho de 1940, de que é uma cópia regional e miniaturizada. Através de um vasto território, que ia do Minho a Timor, e da fusão da história e da arquitetura3, o Portugal dos Pequenitos teve como objetivo comemorar o Duplo Centenário (a Fundação do Estado Português, em 1140, e a Restauração da Independência, em 1640), mas sobretudo glorificar o Estado Novo, afirmando-se como o acontecimento político-cultural mais marcante do Regime.

Na memória descritiva de Cassiano Branco encontramos os ambiciosos planos de Bissaya Barreto para o Portugal dos Pequenitos: “Depois de vários estudos pedagógicos e de possibilidades financeiras, chegou-se à conclusão de dar satisfação a uma velha ideia, de criar um parque com objetivo mais desenvolvido no sentido cultural de forma a ensinar à criança um mundo de coisas, sem que ela despenda um esforço mental, sempre perigoso nas tenras idades, e pela observação direta, prendendo a sua atenção e curiosidade, nos elementos expostos, recreando-se, aquilo que levaria muito tempo e exigiria um grande esforço a fixar na sua inteligência. […] Com estas, lições directas e apropriadas, expostas em sínteses, de fácil compreensão, sem rodeios desnecessários, cheias de método, enfim, de objetivo pedagógico e cultural”4 . Mas para Cassiano Branco, “O Portugal dos Pequenitos não deve[ria] ser considerado um museu de miniaturas arquitectónicas de Portugal. Esse julgamento limitaria demasiado e a inteligência e cultura dos que tal o considerassem, por não se terem apercebido da feição pedagógica desta obra, inspirada nos métodos preconizados e definidos pelos maiores pedagogos, como Pestalozzi, Montessori e outros e executada com o objetivo de ensinar a criança, recreando-a”5.

Na construção do Portugal dos Pequenitos é possível distinguir três núcleos e três etapas ou, nas palavras de Cassiano Branco, “três lições”, que projetou “com a ajuda de dois grandes artistas, Mestre Jesus Cardoso, responsável pela execução dos trabalhos da 1.ª fase de construção, e Valentim de Azevedo, responsável pela 2.ª fase dos trabalhos”6.

A primeira lição corresponde ao arranque dos trabalhos, em 1937, e à sua finalização, em 1940, sendo a única secção existente aquando da sua inauguração, em que o Parque se denominava Ninho dos Pequenitos de Santa Clara. Esta área era composta pelas casas regionais, evocativas das regiões de Portugal, representadas na Aldeia do Ninho dos Pequenitos de Santa Clara, atualmente designada Portugal Metropolitano, que incluía também uma serra com dólmen, as minas de carvão do cabo Mondego, o farol e as salinas de Aveiro, um espaço para os animais domésticos (basse cour), para além de outros elementos compositivos como a estátua equestre de D. Afonso Henriques, um moinho de vento, um pelourinho, uma azenha, um forno, lagar e adega, uma fonte, entre inúmeros exemplos. No seu todo, esta primeira lição, “destinada às classes infantis até aos 10 anos”, remetia para o universo rural laboral e as respetivas arquiteturas tipificadas entre o Minho e o Algarve.

A segunda fase de edificação do Parque, que se estendeu entre 1940 e 1951 (a obra esteve parada entre 1945 e 1950), iniciou-se com a construção da Casa de Coimbra, que se destacava dos oito pavilhões representativos de cada região portuguesa (Minho, Trás-os-Montes, Douro, Beiras, Estremadura, Ribatejo, Alentejo e Algarve), correspondentes à Secção Metropolitana, mas que, todavia, apenas foram construídos na terceira lição, entre 1952 e 1962. Ainda nesta segunda fase foram edificados os pavilhões da Secção Colonial, ou Portugal de Além-Mar, composta pelas ex-colónias portuguesas (os países africanos de língua portuguesa - Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique – e ainda Brasil, Índia, Macau e Timor), que também incluíam os arquipélagos da Madeira e dos Açores (Portugal Insular), a capela das Missões e o mapa-mundo. Data também desta segunda fase de construção o desenho da entrada do Portugal dos Pequenitos, que seria construído mais tarde.
A terceira e derradeira fase de construção, como referido, desenvolvida entre 1952 e 1962, compreende a Secção Metropolitana (Portugal Monumental é a designação atual que substitui a original), com construções alusivas às regiões de Portugal. Tal como se verificou no pavilhão da Casa de Coimbra, esta última fase da edificação é uma síntese dos principais e, na maior parte dos casos, mais conhecidos monumentos das diferentes regiões nacionais, encontrando-se dividida por cinco núcleos: o da supramencionada Casa de Coimbra; o do norte do país; o da Estremadura; o dos monumentos nabantinos e escalabitanos e, finalmente, o do Sul (Alentejo e Algarve).

A construção do Portugal dos Pequenitos ficou concluída com o planisfério das rotas marítimas, já nos anos 1960, assumindo uma forma de trapézio quadrangular, com cerca de 13.000,00 m2  7, cujos espaços lúdicos se destacam pelo estudo rigoroso e profundo dos traços históricos e culturais da arquitetura portuguesa, forte cenografia, amálgama de estilos e alteração na escala.

O bilhete-postal apresentado remete para a Casa da Criança Rainha Santa Isabel, a primeira construção do Portugal dos Pequenitos, situado na margem esquerda do Mondego, inaugurada a 12 de julho de 1940, batizada com o nome da Rainha Santa, já que D. Isabel de Aragão é a padroeira de Coimbra e fundadora de uma casa de assistência a crianças.
Como assinalado, a sua criação integra-se no âmbito do programa de assistência à infância promovida pela Junta da Província da Beira Litoral, de que Bissaya Barreto era presidente desde a sua fundação, em 1927. Entre 1938 e 1959 a Junta construiu 24 edifícios para a Casa da Criança, todos com o mesmo projeto tipo, do arquiteto Luís Benavente, e características idênticas: um infantário para crianças até aos três anos e um parque infantil para as mesmas, entre essa idade e os sete anos. Tal como o jardim infantil anexo ao Ninho dos Pequenitos, a Casa da Criança Rainha Santa possuía, ainda, uma piscina e um parque infantil adjacentes, presumivelmente do traço desse arquiteto8

Segundo Nuno Silva, “a intervenção de Cassiano virá a incluir o desenho [quase todos em 1938] de alguns elementos na envolvente directa da Casa da Criança, nomeadamente os muros, bancos, chafariz e coreto que organizam o espaço no tardoz da Casa da Criança, designado agora como Praça do Coreto e que genericamente participam do desenho dos limites e da vedação de todo o conjunto”9.

Neste bilhete-postal, as crianças, junto à escultura da Rainha Santa Isabel, e os jardins de buxo, em frente à Casa da Criança, encenam e embelezam o ambiente rústico de cenário idílico e onírico do Portugal dos Pequenitos, reproduzido noutros documentos do Fundo Cassiano Branco10. Em sentido amplo, trata-se de ficcionar e propagandear uma imagem paradisíaca de Portugal e do Estado Novo, tal como preconizado por António Ferro (1895-1956), o diretor do SPN - Secretariado de Propaganda Nacional (1933/1944), mais tarde designado SNI - Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (1944/1950), tutelado pela Presidência do Conselho de Ministros. 
Todavia, esta narrativa do Portugal dos Pequenitos não poderia estar mais distante da realidade, considerando a situação socioeconómica de Portugal na primeira metade do século XX, pelo que “a sua miniaturização, o seu caracter encantatório e maravilhoso, a sua estética do amoroso constituem uma versão exponenciada dos processos da reciclagem erudita dos materiais da cultura popular que o Estado Novo promoveu e nos quais convergem contributos de raiz tão diferente como os de Raul Lino e de António Ferro, promovendo uma rusticidade expurgada de qualquer traço de pobreza ou fealdade e que transmutada em modéstia e simplicidade, compõem o retrato de um país suave”11.

Paulo Jorge dos Mártires Batista, Arquivo Municipal de Lisboa
Junho 2025

 


JACOB, Cândido – Os Edifícios da Fundação Bissaya Barreto em Coimbra. Coimbra: [s.n.], 2002-2003, p. 19.
SILVA, Nuno - Retrato de um país suave: o "Portugal dos Pequenitos". Lisboa: [s.n.], 2015. Tese de doutoramento em arquitetura, pela Universidade Lusíada de Lisboa, p. XI.

3 PINTO, Paulo Tormenta - Cassiano Branco (1897-1970): Arquitectura e artifício. 3ª ed. revista e aumentada. Lisboa: Caleidoscópio, 2020. p. 325.
4 Arquivo Municipal de Lisboa, Fundo Cassiano Branco, Esboço do Portugal dos Pequenitos. Considerações gerais - PT/AMLSB/CB/01/16/36; Página 1.
5 Arquivo Municipal de Lisboa, Fundo Cassiano Branco, [Texto para monografia sobre a Casa de Coimbra] - PT/AMLSB/CB/01/01/01; Página 2 e 3.
6 VALE, Isabel Horta – Apresentação. In VIEGAS, Inês; Vale, Isabel Horta - Jardim Portugal dos Pequenitos. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa; Fundação Bissaya Barreto, 2000. p. 299
.
PINTO, Paulo Tormenta - Idem, p. 317.
8 SILVA, Nuno - Idem, p. 94-95.

Idem, p. 95.
10 Vejam-se os bilhetes-postais do Portugal dos Pequenitos em AML PT/AMLSB/CB/01/03/67; PT/AMLSB/CB/01/07/94; PT/AMLSB/CB/01/07/128 e PT/AMLSB/CB/01/07/188.
11 IDEM - Ibidem, p. 2.


Bibliografia

BÁRTOLO, José - Cassiano Branco. Vila do Conde: Quidnovi, 2011. ISBN 978-989-554-898-9.
JACOB, Cândido Adriano Ramos - Os Edifícios da Fundação Bissaya Barreto em Coimbra. Coimbra: [s.n.], 2002-2003.
LISBOA. Câmara Municipal. Arquivo Municipal - Jardim Portugal dos Pequenitos. Lisboa: Câmara Municipal: Fundação Bissaya-Barreto, 2000. ISBN 972-8517-18-1.
LISBOA. Câmara Municipal. Pelouro da Cultura - Cassiano Branco, uma obra para o futuro. Lisboa: ASA, 1991.
MAIA, Maria Augusta Adrego - Cassiano Branco: um tempo, uma obra: 1897-1970. Lisboa: [s.n.], 1986. Dissertação de mestrado em História de Arte, Universidade Nova de Lisboa, [policopiado].
PINTO, Paulo Tormenta - Cassiano Branco (1897-1970). Arquitectura e artifício. 3ª ed. revista e aumentada. Lisboa: Caleidoscópio, 2020. ISBN 978-989-658-665-2.
SILVA, Nuno - Retrato de um país suave: o "Portugal dos Pequenitos". Lisboa: [s.n.], 2015. Tese de doutoramento em Arquitetura, Universidade Lusíada de Lisboa.