Do Punk ao Near Silence | 8º ciclo
Do Punk ao Near Silence
8.º ciclo de visionamentos comentados
Do Punk ao Near Silence é um ciclo de visionamentos comentados, programado e produzido por Ilda Teresa Castro, onde se mapeia o encontro entre o cinema, a música e a cidade de Lisboa, que decorrerá no Teatro Municipal de São Luiz.
Cada sessão deste ciclo começa com uma curta-metragem, segue com uma conversa comentada com intervenientes dos filmes e da tipologia musical em foco, e conclui com uma longa-metragem.
No pós-25 de Abril e início dos anos 80, a emergência em Lisboa do Punk, pós-Punk e Pop e Rock português está na origem de uma mudança musical que foi simultaneamente estética, sociocultural e política – e contaminou o resto do país. Patente nos comportamentos, atitudes e vivências, esta movida transversal envolveu espaços de alguns bairros da cidade, ligados pela música como impulso comum.
O programa reúne, assim, um conjunto de documentários que reconstituem esses momentos históricos e essa memória.
Teatro Municipal São Luiz
Sala Mário Viegas
Sábados, 19:30, 20:00 e 21:30
(A classificar pela CCE)
Entrada livre sujeita à lotação da sala.
Bilhetes disponíveis na bilheteira do Teatro no próprio dia, a partir das 15:00
(máximo 2 por pessoa)
7 OUTUBRO
19:30
Arquivos Kino-Pop1 Vol7 – Censurados
Edgar Pêra, 2019, 30´
Produção: Rodrigo Areias/ Bando à Parte
20:00
CONVERSA comentada por Paula Guerra com
David Francisco
Iolanda Batista
Nazaré Pinela
Nuno Calado
Intervalo 30 min.
21:30
Fantasma Lusitano
David Francisco, 2016, 57´
Nuno Calado (autor)
Produção: Moopie
14 OUTUBRO
19:30
Arquivos Kino-Pop1 Vol1 – Pedro Ayres Magalhães
Edgar Pêra, 2019, 30´
Produção: Rodrigo Areias / Bando à Parte
20:00
CONVERSA comentada por Ana Cristina Ferrão com
Luís Carlos Amaro
Ricardo Espírito Santo
Rui Pregal da Cunha
Ondina Pires
Intervalo 30 min.
21:30
Rock Rendez Vous – A Revolução do Rock
Ricardo Espírito Santo, 2014, 44’ Luís Carlos Amaro (autor)
Produção: Terra Líquida Filmes
21 OUTUBRO
19h30
Arquivos Kino-Pop1 Vol4 – Manuel João Vieira & Irmãos Catita
Edgar Pêra, 2019, 30´
Produção Rodrigo Areias/ Bando à Parte
20:00
CONVERSA comentada por Isilda Sanches com
João Peste
Luís San Payo
Miss Suzie
Xana
Intervalo 30 min.
21:30
Ainda Tenho um Sonho ou Dois – A História dos Pop Dell´Arte
Nuno Duarte, 2018, 54´
Nuno Galopim (autor)
Antena 3
1 Arquivos Kino-Pop, arquivos de Edgar Pêra com músicos oriundos da década de oitenta: Censurados (banda punk liderada por João Ribas), Pedro Ayres Magalhães (fundador das bandas Faíscas, Corpo Diplomático, Heróis do Mar, Madredeus e Resistência), Manuel João Vieira e os Irmãos Catita (artista plástico e fundador ainda das bandas Ena Pá 2000 e Corações de Atum).
Arkivos Kino-Pop
Arquivos Kino-Pop, os arquivos de Edgar Pêra com músicos oriundos da década de oitenta: Censurados (banda punk liderada por João Ribas), Pedro Ayres Magalhães (fundador das bandas Faíscas, Corpo Diplomático, Heróis do mar, Madredeus e Resistência), Manuel João Vieira e os Irmãos Catita (artista plástico e fundador ainda das bandas Ena Pá 2000 e Corações de Atum).
FANTASMA LUSITANO
David Francisco, 2016, 57´
Nuno Calado (autor)
Prod. Moopie
"Fantasma Lusitano" é um documentário sobre Jorge Bruto, nome incontornável do punk em Portugal. A história do frontman dos Capitão Fantasma, Emílio e a Tribo Do Rum, Bruto and the Cannibals e Club Sin.
ROCK RENDEZ VOUS – A REVOLUÇÃO DO ROCK
Ricardo Espírito Santo, 2014, 44’
Luis Carlos Amaro (autor)
Prod. Terra Líquida Filmes
O principal clube de rock português foi o lugar simbólico de todas as alterações culturais que transformaram e urbanizaram a sociedade portuguesa. O advento do rock português, as mudanças nos comportamentos, as novas modas e as alterações culturais podem ser contadas a partir das noites do Rock Rendez Vous. Tal como as trombetas de Jericó derrubaram as muralhas bíblicas, os acordes do rock rebentaram com barreiras sociais em Portugal e assinalaram o advento de uma sociedade jovem num país, que devido à ditadura, não tinha vivido as grandes convulsões culturais e sociais dos anos sessenta e setenta. O documentário sobre o Rock Rendez Vous recupera um conjunto de imagens, na posse de particulares e instituições, que nos fazem viajar durante a década em que a fábrica do rock português esteve aberta. Na sucessão destes dias de música, mostram-se as grandes mudanças culturais, sociais e políticas que o Rock Rendez-Vous ajudou a produzir. Zé Pedro dos Xutos, Rui Pregal da Cunha (Heróis do Mar), Rui Veloso, Rui Reininho, Xana dos Rádio Macau, Adolfo Luxúria Canibal, António Manuel Ribeiro (UHF), Miguel Cadete (diretor do Blitz), Edgar Pêra, João Peste, Ana Cristina Ferrão mulher de António Sérgio, Rui Vasco (fotógrafo), críticos musicais e muitos outros, protagonizam a história da mais celebrada sala de concertos do País.
AINDA TENHO UM SONHO OU DOIS – A HISTÓRIA DOS POP DELL´ARTE
Nuno Duarte, 2018, 54´
Nuno Galopim (autor)
Antena 3
Com mais de 30 anos de existência, os Pop Dell´Arte pautam-se por uma forte componente eclética e subversiva. Incorporaram na sua música referências como o Cinema, a Performance, a Poesia e toda uma gama de temas que, até à sua criação, nunca tinham sido abordados na música portuguesa. "Ainda Tenho Um Sonho ou Dois – A História dos Pop Dell’Arte" é um documentário com o carimbo Antena3Docs, da autoria de Nuno Duarte e Nuno Galopim, que tenta retratar a atribulada carreira de 30 anos dos Pop Dell’ Arte. Eles que são uma das bandas mais importantes da nova música portuguesa, liderada por João Peste, uma das figuras icónicas da pop portuguesa.
O documentário resume o que foram as mais de três décadas de existência desta banda lisboeta, desde os primeiros passos no mítico Rock Rendez Vous, à criação da editora independente Ama Romanta, até aos dias de hoje.
David Francisco
João Peste
Luís Carlos Amaro
Nazaré Pinela
Ricardo Espírito Santo
Programação: Ilda Teresa Castro
Coordenação: Fernando Carrilho
Produção: Ilda Teresa Castro
Design: Joana Pinheiro
Montagem Fotográfica: Fátima Rocha
Som de Régie: Pedro Lourenço, Álvaro Silva
Comunicação: Pedro Cordeiro e Susana Santareno
Secretariado: Sofia Macedo, Manuela Martins
Apoio de serviços da CML: Divisão de Gestão de Frota; Secretaria Geral - Imprensa Municipal
Organização: Câmara Municipal de Lisboa
Vereação da Cultura: Diogo Moura
Direção Municipal de Cultura: Laurentina Pereira
Departamento de Património Cultural: Jorge Ramos de Carvalho
Divisão de Arquivo Municipal: Helena Neves
Arquivo Municipal de Lisboa – Videoteca: Fernando Carrilho
Coapresentação: Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa e São Luiz Teatro Municipal
Contextualização
Textos das entrevistadoras convidadas
1.
Será o Rock Rendez-Vous o clube de música rock mais icónico de sempre? - pergunto-me quando oiço o lamento “que falta faz ter hoje um RRV”. Percorrendo o mesmo trilho estético tivemos anos depois o Johnny Guitar, no entanto quando a saudade aperta, dos tempos em que para “encontrar a família Rock´n´Roll” bastava dar “um pulo” ao Rego, sem dúvida que o RRV tem um espaço único reservado no nosso coração.
2.
Dezembro de 1980, ano da inauguração do RRV. Tinham passado escassos 6 anos depois da revolução, a transformação social e ideológica de Portugal assumia particular notoriedade na juventude ávida de se aproximar das suas congéneres europeias e americanas – faróis da estética inovadora. O espaço urbano lisboeta era contaminado por diversas representações juvenis de inovação, transgressão e subversão, já com forte expressão artística nacional. Foi este contexto que acolheu a oportunidade de criar o Rock Rendez-Vous, afilhado do Marquee londrino e do CBGB´s nova-iorquino, trouxe a estética rock para o quotidiano português, abrindo portas aos músicos, antes confinados às suas garagens-salas de ensaio e ao público ávido de viver a noite dançando, saltando e inebriando-se com altos decibéis.
3.
Atitude, estilo, moda, começam lentamente a fazer parte da preocupação de uma juventude antes espartilhada nas calças de caqui e nas camisas aos quadrados.
Adeus, monotonia. Adeus, bom comportamento.
As correntes e os alfinetes saem à rua. O preto impõe-se como cor. Os olhos rasgam-se com eyeliners grossos. Os cabelos enchem-se de gel e de cores vibrantes. Vêm dos bairros limítrofes de comboio - chegam ao Cais do Sodré. Vêm do Norte e do Sul - chegam a Sta. Apolónia. Bandos de jovens percorrem Lisboa, atravessam a Praça de Espanha e seguem até ao Rego. Mulheres ainda poucas, mas decididas a abanar o mundo e a pequenez patriarcal nacional.
Faz-se barulho, fazem-se amigos, criam-se bandas novas. Lisboa vibra, é noite de ir até ao Rego, é noite de Rock Rendez-Vous.
Apesar de terem sido anos fervilhantes, existem poucos registos em filme ou vídeo da cena musical de Lisboa no final dos anos 70, inícios dos 80. O punk e o pós-punk em Portugal contam-se em música, texto e fotografia, mas poucas vezes em imagens em movimento. Muitos dos poucos registos em filme ou video feitos na época, gravações de concertos e entrevistas em programas de televisão, acabaram deteriorados ou sacrificados na altura da poupança de recursos e reutilização de cassetes, alguns, eventualmente, continuarão perdidos em arquivos à espera de serem descobertos.
No presente, e no futuro, certamente, podemos criticar o excesso de vídeos e imagens que documentam concertos, entrevistas e todo o tipo de fenómenos musicais, locais e globais, mas também há que lamentar a nossa falta de memória visual do passado e fazer pela preservação e divulgação da pouca que existe.
Por isso, este ciclo de filmes e conversas é tão importante.
Ver os filmes e conhecer a história e motivações dos seus protagonistas é uma maneira de perceber melhor as dinâmicas socioculturais que permitiram a existência de uma cena musical que agitou vários bairros de Lisboa, assumindo diferentes expressões, mas tentando sempre romper com a norma.
De algum, ou vários modos, os ecos desses dias e dessa música, continuam a estender-se até aos dias de hoje.
Génese do punk em Portugal: entre o local e o global
Em Portugal, a Revolução de abril de 1974 funcionou como um catalisador de vontades, de reivindicações e de manifestações, e, assim foi favorável ao eclodir das primeiras manifestações punks em Portugal.
Na cidade de Lisboa, existiam pequenos grupos de jovens que mantinham contactos sistemáticos com as novidades (discos, roupas, bandas, revistas…) internacionais. Foi junto desses grupos que se localizou a vontade de ser punk, pondo em causa a noção, comummente aceite, de que o movimento punk surgiu espontaneamente da raiva da classe operária contra o sistema.
Em dezembro de 1977, António Sérgio assinalava a saída do primeiro single punk prensado em Portugal na Música & Som desse mesmo mês: “O perigo alastrou repentinamente e todo o mundo se pode muito bem ver incapaz de domar ou montar, seja de que maneira for, a ONDA. Saiu o 1.º single punk, prensado em Portugal”.
Em fevereiro de 1978 realizou-se a “primeira tarde” punk em Lisboa, no Archote Clube no Arco do Cego. Neste primeiro evento público de punk, houve passagem de discos, ainda não houve atuação de bandas. Mas o punk estava lançado em Portugal.
Não sendo propriamente um movimento, os primeiros grupos punk portugueses aparecem em finais da década de 1970 — Aqui d’El Rock, Faíscas, UHF, Xutos & Pontapés, Minas & Armadilhas, Raios e Coriscos — nestes escassos eventos, mostrando grande vivacidade e mobilização de protagonistas e seguidores; exemplos claros de focos de mudança e de penetração do punk e seu ideário em Portugal.
De forma muito circunscrita a Lisboa e restrita em termos temporais, os concertos vão continuando. É a partir daqui que o punk em Portugal conquista o seu espaço, abrindo caminho para os primeiros concertos de bandas punk estrangeiras em solo nacional (logo dos Ramones em 1980, por exemplo) e um percurso marcado por altos e baixos e metamorfoses constantes, mostrando uma reapropriação local do punk global. O que nos conduz a duas considerações: o punk rock é um claro exemplo de hibridismo cultural, pois ele não é igual em todo o lado; o punk rock é moldado e redefinido localmente, consoante os recursos e as necessidades sociais e políticas desses locais, num processo que mistura características do punk global e os elementos locais.
Ainda a propósito da configuração originária do punk português, podemos adiantar que entre formar bandas e dar concertos, tudo parece assumir uma forma marcada pelo do-it-yourself (DIY) em que toda a estrutura é partilhada e posta em funcionamento pelos próprios protagonistas. Aliás, esta é uma condição necessária para que o punk exista. O DIY promove a criação de música e as iniciativas locais e surge, num primeiro momento, como uma alternativa à música comercial e, num segundo momento, como uma forma de os atores sociais revelarem a sua total oposição às grandes produtoras de música que só se regem pelos lucros e que fizeram com que a diversidade musical, assim como as maneiras de produzir e de falar sobre música, fossem bem circunscritas.